Dando
continuidade à série de posts acerca dos ingredientes principais da cerveja,
apresento hoje o resultado de minha mais recente pesquisa, a qual trata do ilustre
lúpulo, esse pequeno cone verde, apreciado, ou melhor, adorado por tantos, e que com certeza desperta a curiosidade de muitos. Acabou que tive que me forçar a publicar o post, uma vez que a
pesquisa estava levando a um artigo imenso, aprofundado em todos os sentidos, e
que acabaria por se mostrar uma leitura excessivamente chata (eu mesmo estava
achando isso!). Segue, então, uma versão compacta; os pontos que ficaram de
fora, ou que receberam apenas uma pequena explicação serão tema de posts
próprios num futuro não muito distante!
Bem, vamos lá: o lúpulo é
o ingrediente da cerveja que fornece sua espinha dorsal em termos de amargor,
aumenta sua estabilidade micro-biológica, ajuda a estabilizar sua espuma, e
influencia muito o seu sabor e aroma. Uma cerveja feita sem lúpulo não passa de
suco de cevada, sem caráter; o lúpulo é a assinatura, e peça fundamental em
grande parte dos estilos atualmente consumidos mundo afora.
Like salt,
pepper and spices in food, the flavour benefits that hops bring to beer are
almost immeasurable. And just as the winemaker has hundreds of grape varieties
to choose from, the brewer has na equally wide choice of hop varieties, some
delicately floral, some blackcurranty or earthy, others bursting with vibrant
grapefruity zing. Melissa Cole, LET ME TELL YOU ABOUT BEER
O tal do lúpulo
Antes de qualquer coisa, é importante que se saiba que, quando do casamento cerveja/lúpulo, faz-se necessária uma classificação fundamental entre as espécies utilizadas:
lúpulos aromáticos e lúpulos de amargor. Há ainda aqueles lúpulos que se dão
bem em ambas as categorias, ou seja, lúpulos “dual purpose”. Os chamados lúpulos de amargor
são aqueles com alto teor de alfa ácidos, superiores a 9% em peso, capazes de dar não apenas um toque, mas uma porrada de amargor à cerveja. Lúpulos
aromáticos possuem teor menor, em média 7%, provendo um aroma mais
complexo e amargor leve.
A adição de lúpulo, em termos aromáticos e de amargor depende do estilo da cerveja, bem como do tato do mestre cervejeiro. Muitas lagers de massa, por exemplo, levam tão pouco lúpulo que são capazes de fazer o consumidor mais atento pensar que o mestre cervejeiro esqueceu de adicionar o ingrediente. No outro extremo, é cada vez mais comum que pequenas cervejarias tentem, com todas as forças, levar o amargor de suas cervejas ao limite da tolerância gustativa do ser humano, por vezes deixando todo e qualquer equilíbrio de lado. É verdade que as cervejas altamente lupuladas estão virando moda e caindo no gosto de muitos novos apreciadores de cerveja, basta ver a quantidade de artigos comerciais sendo vendidos com frases do tipo Hopaholic, hopfreak etc., mas esse tipo de cerveja definitivamente não agrada a todos os paladares.
As
variantes aromáticas levam boa vantagem sobre as variantes destinadas ao
amargor em termos comerciais e qualitativos, dado seu espectro muito mais amplo
em termos de aromas, e as possibilidades que essa variedade proporciona aos mestres cervejeiros. Quando da produção da cerveja, esses lúpulos, além de
cumprirem seu papel fundamental de aromatizar a bebida, também são utilizados
para conferir mais corpo à cerveja. Entretanto, como o amargor não deve ser
deixado de lado, e dado o poder muito inferior de conferir amargor por parte
dessas variantes, faz-se necessária uma quantidade consideravelmente maior de
lúpulo para que se atinja o amargor desejado, quando da utilização de apenas
essas variantes de lúpulo; ou, como normalmente acontece, esse problema pode ser contornado pela
adição de variantes de amargor juntamente com variantes aromáticas. As
variantes aromáticas mais nobres, dentre as atualmente cultivadas, são os noble
hops Hallertauer Mittelfrüh, Spalt, Tettnanger, Saaz e a variante Hersbrucker
Spät. Em Tettnang e Hallertau, na Alemanha, desde 2006 também são cultivadas novas
variantes, chamadas de Special Flavor Hops, as quais incluem “mandarina
Bavaria”, “Hüll Melon”, “Polaris” e “Hallertau Blanc”.
Noble hops
Lúpulos nobres, ou “noble hops” é um termo histórico e comercial, atribuído a quatro variedades de lúpulo distintas que foram domesticadas em suas respectivas áreas e se tornaram populações geneticamente isoladas nesse local. Os noble hops são o Hallertauer Mittelfrüh da região de Hallertau na Baviera; Tettnang, de Tettnang na Alemanha, perto do Lago Constança (Região Sul); Spalt da Baviera, ao sul de Nürnberg; e Saaz da região Zatec da República Checa. Esses lúpulos levam especial louvor em função de seus aromas e do amargor delicado. O ponto negativo em relação ao cultivo dessas variedades fica por conta de seu baixo rendimento, bem como da alta propensão a doenças.
Muitas variedades de lúpulo lançadas no século passado descendem em maior ou menor grau de uma dessas quatro variantes nobres.
From grassy
to flowery and fruity to earthy, the flavours that come from these amazing
green cones can push a good beer into transcendente greatness. This is done
either through the subtle use of a single hop variety, or through the skilful
blend of several. Melissa Cole, LET ME TELL YOU ABOUT BEER
História
Inicialmente, a adição de lúpulo se deu principalmente em função das boas qualidades de conservação oferecidas pelo ingrediente. Já em 1153 o poder de conservação do lúpulo era conhecido, sendo comentado por ninguém menos que Hildegard von Bingen (a pelo Papa denominada Doutora da Igreja Universal) dessa forma: „putredines prohibet in amaritudine sua“ (seu amargor inibe o apodrecimento). A adição do lúpulo à bebida, portanto, tinha na conservação a sua principal razão de ser. Dessa forma, o lúpulo era adicionado diretamente ao barril contendo a cerveja “já pronta” (nos termos da época, quase um dry hopping). Inclusive, a (maravilhosa) IPA, deve muito à essa técnica. Essa cerveja, transportada pelos britânicos à Índia em intermináveis viagens de navio, levava quantidades imensas de lúpulo, com o único intuito de conservá-la nas semanas sobre o mar. Ao final da viagem, nada mais normal que um forte ainda que fresco sabor lupulado, perfeito para matar a sede das tropas em exercício no local.
Existem cerca de 300 componentes que impactam no aroma do lúpulo. Alguns desses componentes são agradáveis ao paladar humano, ao passo que outros, quando em excesso, podem estragar a cerveja. Contudo, como descrito adiante, o lúpulo não nasceu juntamente com o homem, de modo que até a sua descoberta, o homem cervejeiro teve de dar um jeito de incrementar ou modificar a sua bebida. Assim, ainda durante a Idade Média, os cervejeiros utilizavam literalmente de tudo para trabalharem as suas receitas. A utilização desse leque imenso de aditivos tinha como objetivos principais a conservação da bebida (naquela época a fermentação não era controlada, de forma que a mistura ficava exposta à uma infinidade de micro-organismos, os quais intensificavam em muito a sua atividade ao longo dos meses mais quentes do ano), trabalhar seu aroma e sabor, aumentar o seu teor alcoólico, ou intensificar seus efeitos inebriantes.
Existem cerca de 300 componentes que impactam no aroma do lúpulo. Alguns desses componentes são agradáveis ao paladar humano, ao passo que outros, quando em excesso, podem estragar a cerveja. Contudo, como descrito adiante, o lúpulo não nasceu juntamente com o homem, de modo que até a sua descoberta, o homem cervejeiro teve de dar um jeito de incrementar ou modificar a sua bebida. Assim, ainda durante a Idade Média, os cervejeiros utilizavam literalmente de tudo para trabalharem as suas receitas. A utilização desse leque imenso de aditivos tinha como objetivos principais a conservação da bebida (naquela época a fermentação não era controlada, de forma que a mistura ficava exposta à uma infinidade de micro-organismos, os quais intensificavam em muito a sua atividade ao longo dos meses mais quentes do ano), trabalhar seu aroma e sabor, aumentar o seu teor alcoólico, ou intensificar seus efeitos inebriantes.
Adição de lúpulo |
Gruit
Além disso, não era raro
acrescentar outros ingredientes à cerveja com o intuito de encobrir aromas
indesejáveis ou salvar um lote de cerveja que tivesse dado errado (vide o post
sobre Porter) A lista de ingredientes e “coisas” adicionadas à cerveja naquele
tempo (como já mencionado em outros posts desse blog) é interminável, mas entre
os mais comuns, destacam-se o mel, a canela, o açúcar mascavo, o anis, o
gengibre, a rúcula, o alecrim, o cravo e uma série de raízes e cogumelos. Mais
tarde, por volta do século VIII, uma mistura mais ou menos padronizada passou a
se estabelecer, diminuindo até certo ponto o uso desenfreado de ingredientes
aleatórios. Essa mistura, denominada gruit incluía várias ervas, como o
próprio alecrim, artemísia, aquiléa, urze, gengibre, além de canela, anis,
pétalas de margarida e cogumelos. A produção dessa mistura era controlada
rigorosamente pelos governantes da época, os quais deviam conceder autorizações
especiais afim de que determinado cidadão pudesse produzir e comercializar o
gruit.
Gruit |
Séculos mais tarde,
com o início do uso do lúpulo, a facilidade e a economia representada pela
necessidade de se adicionar apenas um, e não mais uma infinidade de
ingredientes, aliado às questões econômicas e políticas, representaram o
declínio do gruit, e a ascensão desse novo ingrediente que ora descrevo. Digo
questões políticas e econômicas pois uma vez que grande parte do gruit da época
era produzido em mosteiros, isentos do pagamento de impostos na Europa, esses
locais de produção passaram a enriquecer rapidamente, tendo na produção do
gruit mais uma fonte de recursos capaz de manter e até mesmo aumentar o seu
poder frente à sociedade e ao governo da época, sem serem obrigado a entregar
algo para o Estado. (A saber: a partir de 1774 a produção de lúpulo passou a
estar vinculada a impostos próprios, e em 1774 passou-se a obrigar os
produtores a colocarem o nome do local de produção nos sacos destinados a
transportar o lúpulo para maior controle.)
Oasthouse em Kent, Inglaterra |
Do campo à panela
Esse lúpulo
a que tanto devemos, ainda que fiel companheiro do homem por onde quer que esse
vagasse no planeta Terra, demorou séculos para ser domesticado, e mais um bom
tempo até que encontrasse o caminho para dentro da panela de fervura.
Acredita-se
que o primeiro cultivo de lúpulo tenha acontecido em 736 d.C., em Geisenfeld
(Hallertau), ainda que os primeiros registros datem de 768 d.C (Mosteiro de St
Denis, Paris), 822 d.C. (Mosteiro de Corvey), e 859 à 875 d.C. (Freising).
Ainda hoje, essa mesma (e ilustre!) Alemanha é a principal produtora de lúpulo
no mundo, sendo responsável por nada menos que 25% da produção mundial (quem já
teve o prazer de andar pelas estradas da Bavária sabe do que estou falando). Já
o primeiro uso de lúpulo na produção de cerveja data de 822 d.C., quando o
clérigo Adalhard do monastério beneditino de Corbie, no nordeste da França
relatou que seus monges haviam feito uso da planta em sua cerveja. Outras
fontes dizem que o primeiro uso aconteceu não muito longe dali, por volta da
mesma época, no vilarejo de Haithabu, então Dinamarca e atualmente parte do
estado de Schleswig-Holstein, da Alemanha. Na Alemanha, aliás, o primeiro
registro data de 1079, sendo que o uso do lúpulo quando da produção cervejeira
se intensificou na Idade Média nas cidades de Wollin, Breslau, Troppau, Brüx,
Wismar, Braunschweig e Lübeck.
Mas voltando à França, ocorreu que no século XI, o uso de lúpulo havia se popularizado de tal modo em todo o país, que mais tarde, em 1268, o rei Luís IX decretou que em seu reinado apenas malte e lúpulo poderiam ser utilizados na produção de cerveja. Atravessando o canal, a Grã-Bretanha por sua vez demorou mais alguns séculos para adotar o lúpulo, que por lá, nessa época, sofria da fama de "erva de menor qualidade, que apenas promove a melancolia (!)". Dessa forma, os reis Henry XI e Henry VII, ambos, baniram a utilização de lúpulo nas ales britânicas ao longo de seus reinados. Como justificativa para esse banimento, escreveram que o lúpulo não passava de um "afrodisíaco capaz de levar seus súditos a comportamentos pecaminosos".
Mas voltando à França, ocorreu que no século XI, o uso de lúpulo havia se popularizado de tal modo em todo o país, que mais tarde, em 1268, o rei Luís IX decretou que em seu reinado apenas malte e lúpulo poderiam ser utilizados na produção de cerveja. Atravessando o canal, a Grã-Bretanha por sua vez demorou mais alguns séculos para adotar o lúpulo, que por lá, nessa época, sofria da fama de "erva de menor qualidade, que apenas promove a melancolia (!)". Dessa forma, os reis Henry XI e Henry VII, ambos, baniram a utilização de lúpulo nas ales britânicas ao longo de seus reinados. Como justificativa para esse banimento, escreveram que o lúpulo não passava de um "afrodisíaco capaz de levar seus súditos a comportamentos pecaminosos".
Voltando ao
continente, os cervejeiros da época continuavam a ir exatamente na direção
contrária, aperfeiçoando cada vez mais a utilização dessa ilustre planta em
suas panelas. Tanto que em várias localidades, os mestres eram obrigados
por lei a aromatizarem as suas cervejas com nada além de lúpulo, seguindo a linha da lei imposta por de Luís IX. Por volta do século XIV, o lúpulo havia criado um mercado
de grandes dimensões, cujo centro era a cidade de Nürnberg (Sul da Alemanha),
onde a planta era chamada de ouro verde, tendo se tornado uma commodity das
mais importantes, e enriquecendo os produtores da região de forma acelerada. Dessa forma, dando continuidade à tendência da época, ainda que motivado por motivos outros
(como já descrito em outros posts nesse mesmo blog, por exemplo nesse), o Duke Wilhelm IV, da
Bavária, assinou a Lei de Pureza da Bavária, a qual estipulava o uso de apenas
três ingredientes na produção cervejeira: água, malte de cevada e lúpulo.
Com as coisas da forma como estavam no continente europeu, e sendo o lúpulo unanimidade por lá, e já tendo desbancado o gruit, os ingleses passaram, igualmente, a sentir a pressão exercida por esse
peculiar ingrediente, ficando a resistência cada vez mais difícil. Assim, e
como não podia deixar de ser, a certa altura a pressão econômica passou a ser
insuportável, uma vez que os cervejeiros britânicos já não podiam fazer frente
ao continente. O lúpulo, finalmente, invadia também as ilhas.
O novo mundo
O novo mundo
Já na
América do Norte, apesar de existirem variantes nativas de lúpulo, os primeiros
cervejeiros não fizeram uso dessas, preferindo importar lúpulo do velho mundo
ou então cultivando suas variantes, já conhecidas, em solo americano, plantio esse que teve início em 1629, no estado de Washington.
Apenas mais trade, por volta de 1800, quando o plantio de lúpulo já estava
plenamente estabelecido no novo mundo, foi que teve início a hibridização das
variantes europeias com as americanas, mistura essa da qual surgiram espécies
atualmente muito comuns, como a Cluster. Essa variante, acredita-se, é um
hibrido entre a variante English Cluster e uma variante de lúpulo selvagem
nativa da América do Norte.
Atualmente, nos Estados Unidos, as cervejas em sua maioria levam alguma das variedades pertencentes ao grupo dos quatro “Cs”: Centennial, Chinook, Colombus e Cascade. Esses lúpulos dão às cervejas americanas, em particular às IPAs e Pale Ales, seu conhecido aroma floral e seu amargor acentuado.
Atualmente, nos Estados Unidos, as cervejas em sua maioria levam alguma das variedades pertencentes ao grupo dos quatro “Cs”: Centennial, Chinook, Colombus e Cascade. Esses lúpulos dão às cervejas americanas, em particular às IPAs e Pale Ales, seu conhecido aroma floral e seu amargor acentuado.
O vegetal
O lúpulo é
a flor, ou "cone", do Humulus lupulus, que significa aproximadamente
"um pequeno [do malfeitor] lobinho [planta]". O
gênero Humulus pertence à família da Cannabaceae, a qual inclui a Cannabis (cânhamo, marijuana) e a
celtis (hackberry). O lúpulo é nativo do hemisfério Norte, nas zonas de
temperatura da Europa, Ásia Ocidental e América do Norte, e acredita-se ter
surgido na China. Atualmente, é cultivado em ambos os hemisférios, numa
latitude entre 30 e 52 graus.
Existem cinco variedades taxonômicas reconhecidas no gênero Humulus lupulus: lupulus (Europa e Ásia Ocidental); cardifolius (Ásia Oriental, Japão); lupuloides (Oeste da América do Norte), neomexicanus (Leste da América do Norte) e pubescens (Região central da América do Norte).
O lúpulo é uma planta herbácea resistente, que vive de 10 a 20 anos, construída a partir de uma raiz igualmente forte chamada rizoma, que armazena carboidratos, e também encontrada, por exemplo, no gengibre. As plantas crescem até 15 metros de altura; na maior parte das plantações, entretanto, a altura é limitada a algo entre 4 e 9 metros, sendo o normal 7 metros. No verão, ápice de seu crescimento, as plantas podem crescer até 50 cm por semana. Trata-se de uma planta muito resistente, capaz de suportar temperaturas tão baixas quanto -30°C.
Quando selvagem o lúpulo tende a aparecer em zonas com alta concentração de nitrogênio e solo preferencialmente úmido, como pequenos bosques ao longo de rios e lagos (mata ciliar, vegetação ribeirinha), mas não é raro encontrá-lo também na beirada de florestas e em zonas com menor umidade. Geralmente formam pequenos grupos de plantas, restritos a pequenas superfícies. Quando aparece em jardins e parques, devido à grande quantidade de raízes de cada planta individual, não constitui tarefa simples eliminar as plantas intrusas, o que pode vir a gerar grande dor de cabeça, dado que o lúpulo, uma vez que inicia seu crescimento apoiado em alguma outra planta, pode facilmente vir a sufoca-la.
Campos de lúpulo |
O lúpulo é
uma planta dióica, o que significa dizer que há a planta macho e a planta
fêmea. Apenas os cones sem sementes das plantas fêmeas são utilizados na
produção cervejeira, entretanto; motivo pelo qual a população de plantas macho
é mantida reduzida nos locais de cultivo. Os cones das
plantas macho contém apenas cerca de 1/150 da quantidade de resina das plantas
fêmeas, além de serem desprovidos de alguns dos óleos essenciais para a
produção e aroma da cerveja, contidos nas plantas fêmeas. Além disso, a
polinização da planta fêmea pelo pólen da planta macho diminui a quantidade de
cones disponíveis na planta, diminui o período útil de colheita da planta, além
de dificultar o acerto em termos de dosagem do lúpulo na produção cervejeira
futuramente. Existe ainda a ocorrência, ainda que rara, de plantas que pertencem ao mesmo tempo a ambos os gêneros, monóicas.
Experimentos
modernos criaram plantas triploides, como a Williamette. Essas
plantas são desprovidas de sementes e portanto inférteis, o que em si não
constitui problema, uma vez que o lúpulo produzido comercialmente é clonado a
partir da raiz, não necessitando de fecundação entre plantas.
A flor do
lúpulo, ou cone, é uma flor inflorescente, a qual contém um suporte central
chamado strig. O strig contém entre 20 e 60 bracteoles (pétalas), cada um com
duas partes fêmeas em sua base, formando assim a flor. O tamanho dessa varia
de acordo com a variedade de lúpulo, ficando entre 2 cm em suas menores
variantes, e chegando a mais de 5 cm em suas maiores, podendo ter um formato redondo ou
alongado. Glândulas lupulins, em sua base, produzem a substância amarelada
chamada lupulin, a fonte dos poderes aromatizantes e de conservação do lúpulo. É
nessas substâncias que as principais resinas (alfa e beta-ácidos assim como os
óleos) estão contidas.
Alfa-ácidos
Os
alfa-ácidos, ou humulon, os quais são responsáveis pela maior parte do amargor
presente na cerveja, constituindo cerca de 3% a 9% em massa do cone de lúpulo nas
variedades aromáticas da planta, e 12% a 20% nas variedades destinadas a
conferir amargor. As variantes cujo percentual alcança 20% são chamadas de
superalpha bittering varietis, e ainda que tenham aparecido apenas
recentemente, já desfrutam de grande prestígio no mercado das cervejas elaboradas
atualmente.
Isomerização
Isomerização
Corte mostrando a estrutura interna de um cone |
Durante a fervura, os alfa-ácidos são convertidos em
iso-alfa-ácidos, solúveis em água, ou isohumulones, os verdadeiros responsáveis
pelo amargor. Além disso, os alfa ácidos têm certo efeito bacteriostático, o
qual age primordialmente contra a bactéria Gram-positiva, permitindo a ação
tranquila da levedura (veja o post acerca desse ilustre ser vivo nesse mesmo
blog aqui). Quanto mais demorada a fervura, maior é a isomerização dos ácidos
e, por consequência, mais amarga a cerveja.
Contudo, atenção Hopaholics, isso
não significa que vocês devam sair por ai fervendo o mosto até o talo, uma vez
que os componentes aromáticos presentes no lúpulo e igualmente importantes, são
extremamente voláteis, podendo ser facilmente perdidos. Desta forma, a fervura,
e o ponto ideal de para se finalizar a fervura exigem grande habilidade por
parte do mestre cervejeiro. Por fim, é claro que o tipo de adição de lúpulo
também tem papel fundamental, sendo o procedimento e o resultado diferentes
quando se adiciona cones inteiros ou apenas extrato de lúpulo, por exemplo.
Bem, mas voltando ao processo físico-químico em questão: essa conversão,
chamada de isomerização, é o principal objetivo da fervura para o lúpulo, a qual deve ser
longa o suficiente para permití-la (ao menos 45 minutos para a maioria dos
lúpulos); a isomerização, contudo,
pode também ocorrer na ausência de fervura, desde que sejam observados o tempo
e a temperatura suficientemente alta. O constante movimento e o contato dos
ingredientes devem também ser observados, uma vez que são críticos. Mas voltaremos a falar do uso e do processo de adição mais pra frente.
Os
alfa-ácidos são divididos em três componentes de construção molecular
muito semelhante: humulone, adhumulone e cohumulone, sendo os dois primeiros
desejados e o terceiro evitado na produção de cerveja. O cohumulone, contudo,
constitui cerca de 15% a 50% do total de ácidos presentes no lúpulo, dependendo
da variedade e da safra. Alta quantidade de cohumulone pode provocar uma consistência
menor da espuma, bem como um amargor desagradável, além de serem associados a
baixo potencial em termos de aromatização. Dessa forma, é comum o lúpulo ser
comercialmente classificado, também, segundo seu teor desse componente.
Já os beta
ácidos não se isomerizam ao longo da fervura, e não influenciam de forma
significativa no sabor da bebida final. Contudo, são peça fundamental em
termos do aroma que se deseja conferir à cerveja. Da mesma forma como os
alfa-ácidos, os beta-ácidos são constituídos de três estruturas moleculares
muito semelhantes, a saber: lupulone, colupulone e adlupulone.
É importante
saber, também, que o caráter de determinado lúpulo, em se tratando de amargor e
aroma, é diretamente relacionado à razão entre alfa e beta-ácidos. As variedades
aromáticas mais procuradas são aquelas com razão próxima de 1:1; o que é
difícil de ser alcançado, sendo que a maioria das variedades têm uma razão mais próxima de 2:1. Lúpulos com quantidades de alfa ácidos muito superiores à
quantidade de beta ácidos são, evidentemente, os superalfa, como mencionado
acima. Antes de 1950, os alfa e beta ácidos eram também chamados de soft resins, devido a sua solubilidade no solvente hexano, e não eram separados em grupos distintos. Igualmente, não foi
senão muito tempo depois, que se descobriu técnicas capazes de isolar os
diferentes componentes de cada um desses ácidos, de forma que até esse momento,
os alfa ácidos eram chamados apenas de humulone, ao passo que os beta ácidos
eram apenas lupulones. Lupulone, como já dito, é um forte antibactericida, sendo
efetivo, entre outros, contra a chamada Staphylococcus e Clostridium, e responsável pela estabilização micro biológica da bebida ao longo, principalmente, da fervura, a partir do momento da adição do lúpulo.
Óleos essenciais
Os óleos,
por sua vez, são os responsáveis por conferir os diferentes aromas às
variedades de lúpulo. Dessa forma, há lúpulos que possuem aroma muito cítrico,
tal como a variante Cascade, ao passo que o Strisselspalt, por exemplo, tende
muito mais a um aroma floral. Os óleos essenciais principais do lúpulo são: humulene, o qual tem um aroma amadeirado, balsâmico; carophyllene, com aroma
de pimenta escura; myrcene com aroma floral e farnesene e gardenian com aroma floral. Desses, o farnesene é muitas vezes totalmente ausente, ou então presente
em minúsculas quantidades. Outras variedades, tais como linalool, com seu aroma
que lembra mexerica, ainda que presentes em apenas quantidades quase
desprezíveis, têm um impacto muito acentuado no conjunto aromático de
determinados lúpulos.
Plantio e Colheita
O cultivo
do lúpulo se aproveita da característica da planta de se emaranhar em torno de
praticamente qualquer obstáculo que encontrar pela frente, além de produzir uma
folhagem densa ao seu redor. Os primeiros plantios de lúpulo em Nova York, por
exemplo, tinham uma forma redonda, na qual as plantas cresciam em torno de
suportes próprios, feitos de emaranhados preparados de cânhamo, os quais eram
secos de forma a prover sustentação para as plantas. Os plantios modernos, por
sua vez, são baseados num sistema de fios metálicos, que como varais pendem
entre estacas de madeiras e igualmente servem de sustentação para as plantas.
Desses cabos ou fios metálicos são puxados outros cabos para o solo, em formato
de V invertido, permitindo que as novas plantas utilizem esses auxílios afim de
crescerem até o topo do suporte. De duas a três plantas são afixadas a cada um
desses suportes. Assim, aliando-se essa estrutura a uma poda criteriosa e
cuidadosa, sem permitir que as plantas fiquem emaranhadas ou que cresçam em
demasia ao redor de apenas um cabo, atinge-se uma maximização da produção bem como o controle de doenças e insetos.
Trabalho com lúpulo
Trabalho com lúpulo
Colheita |
A partir
desse momento, há formas distintas de como o lúpulo pode chegar até as mãos do
mestre cervejeiro. As principais são:
Oasthouse em Kent, Inglaterra |
Pelotização
– O lúpulo é seco em fornos industriais, e em seguida moído e prensado em
formas de pelotas (pellets), as quais quando embaladas ao vácuo, além de
facilitarem o transporte e melhorarem o rendimento de armazenagem, aumentam
consideravelmente sua validade. Caso a embalagem não seja feita de forma
adequada, contudo, o produto perde, em um ano, até 35% de seu valor, além de
aromas valiosos.
Pellets |
Lúpulo
fresco – ao invés de serem secos, os cones são levados diretamente da plantação
para a cervejaria, trazendo consigo aromas e amargor ainda frescos. Essa
variante deve ser utilizada imediatamente, uma vez que tende a apodrecer dentro
de pouco tempo. Cervejas que utilizam esse tipo de lúpulo são chamadas de
green-hop ou wet-hop-beer.
Extrato de
lúpulo – quando os ácidos é óleos são retirados dos cones e processados, sendo
utilizadas posteriormente apenas algumas gotas desse concentrado quando da
fabricação da cerveja.
Pragas
Pragas
Mas nem tudo sao rosas quando do plantio de lúpulo. Assim como qualquer outra planta, o lúpulo também é sucetível a ataques de agentes patológicos. Dentre esses, as mais conhecidas pragas são downy mildew (Pseudoperonospora
humuli) e powdery mildew (Podosphaera macularis). A resistência à powdery mildew é determinada geneticamente, de forma que os
produtores escolhem previamente plantas capazes de resistir à essa praga.
Da
mesma forma, ácaros e pulgões constituem ameaças ás plantas, ainda que possam
ser efetivamente controladas por meio da utilização consciente de inseticidas
bem como insetos predadores. Por fim há uma série de vírus que podem igualmente
afetar as plantações, como o mosaic hop vírus, disseminado pelo pulgão, e
praticamente impossível de ser erradicado. Nesse quesito, a Austrália e a Nova
Zelândia, dado o seu isolamento geográfico, estão isentos dessas pragas,
constiuindo verdadeiros oásis da produção orgânica de lúpulo.
Adição à cerveja
A adição de
diferentes tipos de lúpulo, variando entre kettle (amargor) e finishing hops (aroma), controlando
bem o momento exato da adição de cada variedade, pode conferir à cerveja um
toque único e complexo, balanceado entre amargor e aroma equilibrados.
A seguir,
descrevo 5 dos principais modos de adição de lúpulo, baseado na lista
semelhante disponível em howtobrew.com:
First Wort Hopping
Um método
tradicional é o chamado First Wort Hopping. Nesse caso, é adicionada uma grande
porção de lúpulo de aroma ao boil kettle juntamente com o mosto pronto para ser
fervido. Enquanto o "panelão"é preenchido, os aromas do lúpulo sao
incorporados ao mosto por meio da liberação das resinas e óleos do lúpulo agora
aquecido. Ao longo da fervura, esses componentes, muito voláteis, tendem a
evaporar e se perder. Ao se permitir essa incorporação gradual antes da
fervura, os óleos têm tempo de se transformar em componentes mais estáveis e
solúveis, permitindo uma maior retenção ao longo da fervura.
Nesse
método, apenas lúpulos de baixo teor de alfa-ácidos devem ser utilizados, e o
montante total adicionado dessa forma deve ser de pelo menos 30% de todo o
lúpulo considerado. Devido à longa exposição ao lúpulo, o mosto tende a ficar
relativamente mais amargo, ainda que não de forma exagerada, graças a
utilização de lúpulo com baixo teor de alfa-ácidos. É dito que uma cerveja
feita utilizando-se o FWH tende a possuir um aroma mais refinado, um amargor mais uniforme e ter um caráter mais harmonioso do que uma cerveja feita com a
mesma quantidade e variedade de lúpulo, mas sem FWH.
Amargor
Os lúpulos
de amargor são adicionados no início da fervura, e são fervidos por um período
que varia de 45 a 90 minutos, sendo o padrão 60 minutos. Essa fervura, conforme
mencionado, tem por objetivo isomerizar os alfa-acidos. Existe um ganho de
isomerização quando a fervura passa de 45 minutos em direção aos 90, na casa de
5%; já o ganho além dessa marca não passa de 1%. Os óleos aromáticos, devido ao
longo tempo de fervura e sua volatilidade, tendem a evaporar, restando
quantidades ínfimas na mistura. Isso permite a utilização das variantes chamadas superalfa, para prover a estrutural central de amargor, sem prejudicar sabor
e aroma do produto acabado. Dessa forma, em termos de custo, vale mais a pena
utilizar uma medida de superalfa e finalizar a bebida com lúpulo de aroma (mais
caro que lúpulo de amargor), do que buscar o equilíbrio utilizando duas medidas
de lúpulo de amargor médio.
Sabor
Adicionar
o lúpulo aproximadamente na metade da fervura, tende a estabelecer um
equilíbrio entre a isomerização dos alfa-acidos e a evaporação dos oleos
essenciais, resultando em aromas e um sabor característicos. A adição do lúpulo
nesse caso se dá em um intervalo que varia de 40 a 20 minutos para o fim da
fervura, sendo o padrão 30 minutos. Todo tipo de lúpulo pode ser utilizado a
principio; geralmente são escolhidas variedades com teor de alfa-acidos baixo,
ainda que variantes com altos niveis, tais como Columbus e Challenger possam
igualmente prover bons resultados. A mistura de varias variantes, nesse estilo,
é muito comum.
Finishing
Quando o
lúpulo é adicionado nos minutos finais da fervura, menos óleos sao perdidos
devido à evaporação, conservando-se características mais aromáticas na mistura.
Nesse caso, uma ou mais variedades podem ser utilizadas, dependendo do aroma
almejado. O lúpulo é adicionado quando faltam cerca de 15 minutos para o fim da
fervura, ou no momento em que a mistura deixa de ser aquecida, e atuam cerca de
10 minutos até que o mosto passa a ser resfriado. Em alguns casos, o mosto,
quando deixa de ser aquecido, é circulado por dentro de um reservatório
contendo lúpulo fresco, antes de entrar numa serpentina de resfriação.
Dry Hopping
O lúpulo
pode também ser adicionado apenas quando da fermentação ou já no armazenamento
da bebida, afim de aumentar o aroma da cerveja. Esse processo é denominado dry
hopping e deve ser feito já nos últimos estágios de fermentação, quando o
aparecimento de bolhas e espuma já tiverem cessado. Caso o lúpulo seja
adicionado antes disso, grande parte dos óleos irá se perder através da
exaustão do gás carbônico. Muitas vezes é utilizado um saco de nylon no qual o
lúpulo é depositado e então mergulhado na cerveja, afim de facilitar a sua
remoção em seguida. O dry hopping é indicado para vários estilos de pale ales e
lagers.
Locais de produção
Atualmente,
grandes centros de produção de lúpulo são: Alemanha, Austrália, Bélgica, China
(Xinjiang), República Tcheca, Rússia (Chuvashia), Polônia (Lublin) e Nova
Zelândia.
Conclusão (Futuro do lúpulo)
O futuro do
lúpulo como ingrediente da cerveja parece assegurado, ainda que de maneira
“dividida”. Embora o consumo de cerveja, principalmente aquelas minimamente
lupuladas, com valores de IBU meramente acima do limiar do perceptível, esteja
crescendo em mercados como a América Latina, Ásia e África, o consumo dessas
cervejas leves está perdendo espaço em mercados tradicionais, que vêem o
consumo de cerveja estagnado ou até mesmo em declínio. A saber, a Alemanha teve
leve crescimento em termos de consumo de cerveja no ano de 2014, após registrar
seu pior ano em 2013. Mesmo assim, esse crescimento se deve largamente ao
inverno curto, ao calor fora do normal no verão e , claro, à Copa do Mundo. Por
outro lado, o consumo de cervejas fortemente lupuladas, bem como cervejas com
aromas e sabores mais complexos e trabalhados vem crescendo. Para os produtores
e comerciantes de lúpulo, esse cenário conflitante traz uma conclusão óbvia, de
que a busca e, portanto, a produção de variedades de lúpulo com teores de alfa
ácidos elevados, bem como lúpulos cujo forte seja um aroma diferenciado, tende a crescer, em
detrimento da produção de lúpulos leves, como os utilizados na maior parte das
lagers de produção em massa, isso ao menos nos mercados tradicionais. Ao que parece, podemos estar entrando na era mais
lupulada da história da cerveja, em mais de 1200 anos desde o início do uso
desse ilustre conezinho verde.
Referências:
- The Oxford Companion to Beer - Garrett Oliver
- Let Me Tell You About Beer - Melissa Cole
- Larousse da Cerveja - Ronaldo Morado
- howtobrew.com
- wikipedia.de
- beerhunter.com
Danke fürs Lesen, wir hopfen alles Gute!
Senhor Stein, muito bom seu artigo, bastante completo em termos históricos e práticos, sobretudo o tópico sobre FWH, me deu várias idéias criativas na produção das minhas cervejas, só não entendi a parte "chata" que o senhor pode ter encontrado no caminho desta pesquisa. De antemão, agradeço pelo seu esforço para trazer mais conhecimento. Obrigado, Rodolfo Ramos
ResponderExcluirOlá meu caro. Fico muito feliz em ler suas palavras. Realmente não é fácil juntar as informações e posteriormente montar um texto que agrade em sua leitura.
ExcluirConvido a dar uma olhada no restante do blog também, e espero que goste.
Forte abraço.
Stein