Confrades,
após novo hiato, dessa vez realmente longo - eu admito - volto para escrever sobre nada menos que o meu estilo de cerveja favorito. Sim, tive minhas escapadas, flertei com APAs, Reds e IPAs, mas a Weizen é maior que tudo isso, é compassiva e piedosa, e apesar das escapadas nunca me deixou. Por isso devo grande parte do meu apreço, além do meu verdadeiro e único amor cervejeiro a esse nobre, ilustre, grande estilo.
A Weizen, Weisses, Weiβes ou como quiser chamar, é para muitos a primeira cerveja "diferente"; com diferente eu quero dizer aquela cerveja que despertou o confrade adormecido em cada um de nos, aquela cerveja que nos libertou das amarras da Pilsen, ou pior, da American Standard Lager (Light Lager). Nesse ponto a Weizen rivaliza com a Red, e em alguns casos a IPA (para aqueles que já traziam em si uma semente rebelde!), mas nenhuma é tantas vezes citada quanto essa cerveja pra lá de bárbara...ups, bávara.
Muito além de um estilo de cerveja, essa bebida - e seu copo exclusivo - são uma entidade, orgulho supremo para os bávaros, e presença obrigatória entre as produções de todas as cervejarias que se preze. Foi uma longa e árdua pesquisa, mas também muito prazerosa, realizada ao longo de duas semanas aproximadamente, e alguns copos de Franziskaner. Como de praxe, tive de cortar algumas partes, afim de que não se tornásse uma leitura excessivamente demorada, ou mesmo chata. Espero ter conseguido agradar a todos, aos que gostam de um overview, e àqueles dentre os ilustres que lêem os meus posts vorazmente, atrás dos mínimos detalhes. Enfim, boa leitura!
Fonte: Franziskaner |
Weiβbier (ou Weissbier) é a
clássica cerveja de trigo da região da Bavária, sendo uma das maiores e mais
distintas cervejas de toda a Alemanha. Weiβbier quer dizer “cerveja branca” em
alemão, e esse nome originalmente servia para diferenciar essa cerveja das Braunbier (Âmbar/Marrom),
Rotbier (Vermelha) e Schwarzbier (Escura), antes do recente boom de nomes e classificações cervejeiras que temos visto nos últimos tempos. Fora da Bavária,
a maior parte das Weiβbier é conhecida como Hefeweizen, o que siginifica
literalmente “levedura trigo” em alemão. Esse nome por sua vez advém do fato de
se tratar de uma cerveja de trigo engarrafada sem filtragem prévia, com uma
grande turbidez proveniente da levedura em suspensão na bebida pronta.
De acordo
com as leis alemãs, uma cerveja classificada como Hefeweizen, Weizenbier ou Weiβbier
(Esses três termos são usados sem grande distinção, mas existe também uma
variante filtrada, chamada de Kristallweizen) deve ser produzida usando-se um
mínimo de 50% de malte de trigo. A maior parte das Weiβbier, entretanto, utiliza
mais trigo do que o mínimo exigido pelas leis, levando entre 60% e 70% desse malte. O restante do mosto é composto por malte de cevada. Entretanto, também há
receitas em que nem todo o trigo que compõe a mistura é maltado.
Fonte: www.wanted.de |
Em outros
países, onde evidentemente as leis alemãs não se aplicam, a cerveja de trigo
pode ser produzida com qualquer quantidade de malte de trigo, ainda que seja difícil
alcançar as reais características dessa cerveja utilizando-se menos
que 50% de malte de trigo. Fazer cerveja com 100% de grãos de trigo, contudo, seria
excessivamente difícil, quiçá impossível, porque esse grão em si não possui casca, de forma que um
mosto feito exclusivamente dele não produziria uma cama de grãos adequada.
Dessa forma, cervejas feitas unicamente com malte de trigo são geralmente
feitas em laboratórios ou cervejarias piloto, ainda que haja cervejeiros artesanais
que eventualmente tentam fazer esse tipo de cerveja, utilizando cascas de arroz
para o lauter.
O trigo em si não contribui
drasticamente para um sabor típico, muito mais tem sua responsabilidade em
termos de mouthfeel e corpo da cerveja, além de criar a clássica espuma –
colarinho – típica desse estilo. As proteínas presentes nesse grão também levam
à aparência turva da cerveja, a qual tende a ser ainda mais pronunciada caso o
cervejeiro opte por não filtrar a bebida.
Origens
Antiguidade
As origens da cerveja de trigo
remontam à antiguidade, há cerca de 6000 anos, e provavelmente até antes disso.
Os primeiros produtores de cerveja de trigo foram os Sumérios na Mesopotâmia,
entre os rios Tigre e Eufrates, no que hoje é o Iraque; sabemos disso devido a
achados arqueológicos nessa região. Os grãos utilizados por esse povo naquela época eram o Einkorn, o Emmer e o Spelt, que são
antecessores genéticos do trigo atual. Nessa linha, a imagem mais antiga
do consumo de cerveja, que data de aproximadamente 3400 AC, representa justamente o
consumo de uma cerveja de trigo. Trata-se da ornamentação de um vaso de argila,
ilustrando a cena de duas mulheres bebendo cerveja através de canudos. Os
egípcios, seguindo o pioneirismo dos sumérios, sem grande imaginação para arriscar o uso de outros grãos, seguiram produzindo a maior parte de suas
cervejas a partir de malte de trigo.
Outra prova das raízes ancestrais do
consumo de cervejas de trigo é trazida pelo Código de Hamurabi, o mais
antigo conjunto de leis. Ele data de 1700 AC e contém regras claras sobre a
fabricação e o serviço de cerveja. Já em solo germânico a representação mais
antiga que atesta o consumo dessa ilustre cerveja é igualmente uma ornamentação
em uma ânfora de argila, encontrada em 1934 em um túmulo tribal próximo ao
vilarejo de Kassendorf, próximo à Kulmbach, no norte da Bavária, e feita há
aproximadamente 2800 anos. O achado pode ser visto no Museu da Cerveja de
Kulmbach. Dentro da ânfora, cientistas foram capazes de isolar resíduos de malte de trigo escuro.
Bavária
Fonte: shop.fcbayern.de |
Atualmente, sempre associamos as Weiβbier
à Bavária, onde ela é feita mediante o uso de leveduras de alta
fermentação. Isso faz com que a Weiβbier seja uma das únicas Ales produzidas
nessa cultura cervejeira tradicional, considerada o berço das Lagers. As origens
geográficas das Weiβbier modernas remontam aos séculos 12 e 13 na Bohemia,
atualmente República Tcheca, de onda a produção de Weiβbier se alastrou para a
região vizinha da Bavária. Ali, em 1520 (outras fontes falam em 1548), a
família Degenberg, uma dinastia nobre do vilarejo de Schwarzach, obteve, da
dinastia reinante, os Wittelsbach da Bavária, o direito e privilégio exclusivo
e perpétuo da produção de cerveja de trigo - em troca, os Degenberg pagavam
anuidades à família Wittelsbach.
Vale lembrar que quatro anos
antes, em 1516, fora celebrado o início do Reinheitsgebot naquele mesmo estado
(seguindo a proibição de uso de trigo para a produção cervejeira já vigente na
cidade de Munique desde 1447). Essa lei, diferente do que muitos gostam de
dizer – de que seu objetivo era apenas de cuidar da pureza da cerveja – teve
suas origens em questões econômicas e de poder por parte da nobreza da época.
Isso porque o uso de trigo, centeio - e virtualmente qualquer outro grão
disponível - na fabricação de cervejas estava “roubando” os grãos necessários à
produção de pão em uma época em que as colheitas de trigo viviam altas e baixas,
já sendo por si só uma cultura de baixo rendimento. As autoridades da época
sabiam que era mais plausível assumir que a população abriria mão do pão de
trigo que da cerveja feita a partir desse grão. Mediante a nova lei, então, a
cerveja só poderia ser produzida a partir do uso de cevada. Contudo, não há regra que a todos se aplique, de forma que a nobreza era autorizada a
seguir utilizando trigo na produção de suas cervejas, detendo assim um
privilégio pra lá de exclusivo, além de draconiano.
Mas voltando aos Degenberg (agraciados
pela nobreza como os produtores exclusivos dessa bebida exclusiva), para o
desgosto dos duques bávaros, o privilégio dado a essa família e a seus vassalos
acabou por mostrar-se uma mina de ouro, provendo àquelas pessoas lucros muito
mais altos do que o antecipado. Em consequência disso - e quiçá pela grande
quantidade de cerveja de trigo que acabava indo não para as mesas dos nobres,
mas para as tavernas frequentadas pelos plebeus - assim como nos tempos que
antecederam a criação do Reinheitsgebot, a alta produção desse estilo acabou
por desviar uma grande quantidade de trigo dos fornos dos padeiros locais para
as panelas dos cervejeiros Degenberg. Dessa forma, em 1567, um aborrecido duque
Albrecht V declarou ser a cerveja de trigo uma “bebida dispensável, desprovida
de propriedades nutritivas e sem a capacidade de prover força quando de seu
consumo, que apenas fomenta a embriaguez”, proibindo a sua produção em todo o
seu reino. Infelizmente para ele, por força da etiqueta da sociedade feudal,
ele não poderia revogar o privilégio dado pelos seus pais à família Degenberg, de
modo que se viu obrigado a reforçar o privilégio, não sem antes exigir um generoso
aumento na taxa anual paga pela família afortunada (vale lembrar que nessa época a
produção de Weiβbier foi proibida repetidas vezes, já que sempre se achava um
jeito de voltar a produzi-la, o que levou os Degenberg a ter que batalhar por
sua exclusividade mais de uma vez).
A nova ordem
Bastian Schweinsteiger comemora outro título do Bayern München com um generoso copo de Paulaner. |
Em 1602, entretanto, o duque
bávaro acabou por ter sorte. Naquele ano, o Senhor Hans Sigmund von Degenberg
faleceu sem deixar um herdeiro. Isso significa que o duque Maximilian I da
dinastia Wittelsbach pôde, finalmente, requerer o direito à exclusividade da
produção de cerveja de trigo; ele prontamente transformou a produção de Weiβbier
em um monopólio familiar, fundando a sua primeira cervejaria no ano de 1605, no
centro de Munique, exatamente onde hoje fica a mundialmente famosa Hofbräuhaus;
mais tarde, em 1607, na cidade de Kehlheim a próxima cervejaria foi aberta. Outras
seguiriam, recebendo o nome de Weiβe Brauhäuser.
O duque em si, contudo, não era
nenhum homem de negócios amador, nem queria ele mesmo se aventurar em uma tarefa para ele nova, de
modo que tratou logo de contratar o antigo mestre-cervejeiro da família Degenberg,
o senhor Sigmund Bettl. Logo, toda taverna era obrigada a servir Weiβbier
produzida exclusivamente pela rede de cervejarias de propriedade dos duques da
Bavária, as quais por sua vez se alastravam por todas as cidades do reino. O
duque firmou contratos que, além de lhe garantirem o monopólio, poderiam ser
cancelados quando ele bem o entendesse, e que passavam automaticamente para
os herdeiros da família em caso de falecimento. O argumento de que o trigo
deveria servir unicamente para a produção de pão foi revogado pelo duque, em
detrimento do que havia dito o seu avô anos antes. Esse novo monopólio de
produção de cerveja de trigo (chamado de Weizenbierprivileg ou Weizenbierregal)
foi responsável por cerca de um terço da receita dos governantes bávaros
naquele tempo. As vendas resultantes da produção das cervejarias da cidade de
Straubing, entretanto, iam diretamente para os cofres familiares, passando
longe dos cofres públicos. Para se ter uma ideia da força e importância da
produção de Weiβbier nessa época e nessa região, as tavernas eram obrigadas a
servir Weiβbier, sob pena de terem a sua licença de funcionamento suspensa.
Weizenbier acompanhada da típica paisagem bávara. |
Entretanto, por mais que a venda fosse obrigatória, e incidissem impostos
próprios a esse produto, diferente do que se possa imaginar o preço não era
elevado, sendo até mesmo modesto para a época, de modo que o retorno fosse
garantido, mas não exagerado. Dessa forma o duque foi capaz de, com base nas
receitas provenientes dessa cerveja, saldar as dividas feitas pelo seu pai, e
ainda deixar uma casa financeiramente arrumada para o seu filho Ferdinand
Maria.
O declínio
Esse monopólio durou aproximadamente 220 anos,
mais precisamente até o dia 6 de agosto 1798, quando vários monastérios e civis
obtiveram igualmente a permissão de produção de Weiβbier. Nessa época ainda
existiam vários Weiβes Brauhaus, nas cidades de Cham, Grafenau, Kelheim, Regen,
Traunstein, Vilshofen e Weilheim. O fim do monopólio somente foi possível porque, naquela
época, o consumo de Weiβbier estava sofrendo fortes baixas, levando às
cervejarias dos duques a prejuízos, ao passo que viam o crescimento vigoroso em
vendas das novas cervejas Lager. Assim, os duques bávaros ofereceram os
direitos à produção de cerveja de trigo para quem quisésse comprar ou em
concessão, o que efetivamente ocorreu, por parte tanto de monastérios quanto
de cervejeiros civis. A exceção foi a Weiβes Hofbräuhaus, em Munique, que permaneceu
como propriedade do Estado. Nesse local, em 1871 foi produzida a última Weiβbier
“estatal”; o concessionário cervejeiro nessa época (1855 até 1873) era um ‘determinado’
Georg Schneider I. Ainda hoje esse local é um pub, pertencente a um Schneider,
a sexta geração do famoso Georg Schneider.
Entretanto, acabou que nenhum dos
novos produtores foi capaz de reanimar o mercado das Weiβbier, simplesmente
porque o estilo tinha saido do gosto popular. No século 19, em partes devido ao
aperfeiçoamento das técnicas de produção cervejeira, as cervejas Lager estavam
ganhando cada vez mais em qualidade, ficando mais competitivas que as Weiβbier.
A queda foi tão acentuada que, em 1812 já restavam apenas duas cervejarias a
produzir Weiβbier naquela região. Em 1872, os duques bávaros finalmente
desistiram de fazer dinheiro com o monopólio da produção de Weiβbier, e
venderam os direitos dessa exclusividade àquele mesmo Georg Schneider I, que
viria a fundar a sua própria cervejaria ainda naquele ano.
O retorno
Uma Weizen num clássico Maβ. |
As vendas de Weiβbier continuaram
a cair constantemente, até que nos anos 1950 e início dos anos 1960 chegarem a
representar não mais que 3% do total de cerveja produzida na Bavária. Muitos
cervejeiros pararam de produzi-la, de forma que o estilo parecia fadado à
extinção. Apesar disso, Georg Schneider e seus descendentes mantiveram a sua
produção, ainda que a um volume bastante modesto. Eles passaram a se destacar
como especialistas em Weiβbier, o que se mostrou uma estratégia de sucesso a
longo prazo, já que no final dos anos 1960, as vendas do estilo inverteram a
sua tendência de até então, voltando com força total. Uma repentina -e até
certo ponto inexplicável- reversão no gosto dos consumidores acabou por fazer
as vendas de Weiβbier explodirem, não apenas na Bavária, mas em todo o mundo naquele momento. Essa tendência jamais voltou a se inverter.
Atualmente, a Weiβbier é o estilo de cerveja mais popular na Bavária, ocupando
mais de um terço do mercado naquela região. Na Alemanha como um todo o estilo
representa um décimo do mercado, e pode ser encontrada até mesmo nas regiões
mais distantes da Bavária, como por exemplo no pub Zum Ürige, em Düsseldorf, um
local sabidamente distante da cultura cervejeira bávara. Ainda que as cervejas
Helles dominem as vendas nos Biergarten Bávaros, um copo de Weiβbier continua a
ser parte indispenável das Brotzeit, espécie de segundo desjejum alemão, tomado na metada da manhã. Além disso,
na atual onda de cervejas artesanais, as Weiβbier vêm ganhando cada vez mais
força entre aqueles que produzem cerveja em casa, desde o Japão até o Brasil.
Já a família Schneider mudou o seu local de produção para a cidade de Kelheim,
em 1927, onde permanece até hoje.
A produção
Fonte www.bayrisch-bier.de |
Pelo fato de o trigo possuir uma
grande quantidade de proteínas, as Weiβbier modernas geralmente desfrutam de um
longo período de guarda, a fim de quebrar as proteínas e reduzir a viscosidade
do mosto. Na Alemanha em si, a decocção é amplamente utilizada para o mesmo
fim. Uma guarda à temperatura de 44ºC-45ºC é utilizada para
desenvolver o àcido ferúlico no mosto. Esse àcido, entretanto, é apenas
um composto interediário, posteriormente transformado pelo fermento em
4-vinil-guaiacol, um fenol com forte aroma de cravo, característica típica das Weiβbier.
A densidade geralmente se encontra entre 11.5º e 13.2º Plato e a fermenação
encerra com alguma quantidade de açúcar residual, algo em torno de 3ºPlato; o
teor alcoólico resultante encontra-se entre 5% e 6%. Todavia, há aquelas variantes chamadas de Weizenstarkbiere, com uma densidade original de até 20º e um teor
alcóolico superior a 8%. A bebida pronta conta com aproximadamente 220KJ por
100ml.
A Weiβbier é fermentada por uma família de
leveduras muito próximas genéticamente, responsáveis pelo aparecimento dos
clássicos sabores inerentes a esse estilo (entre elas a Torulaspora delbrueckii).
Enquanto o trigo em si contribui com certa leveza e traços de acidez, os aromas
de cravo (4-vinil-guaiacol), chiclets, banana (isoamyl acetate), e defumado
(4-vinil-syringol) que caracterizam as Weiβbier são todos resultados da
fermentação por essas leveduras especiais. Por muitos anos cervejeiros fora da
Bavária se referiram a essas leveduras como “Leveduras Weihenstephan”, devido
ao fato dessa cervejaria em especial deter, durante muito tempo, o único banco de leveduras
genuinamente próprias para Weiβbier do mundo.
Há também cervejarias fora da Alemanha, particularmente nos Estados Unidos, que usam a denominação Hefeweizen para descrever as cervejas de trigo fermentadas por leveduras standard de lager ou ale; contudo isso está incorreto, pelo fato de essas cervejas não levarem nenhuma característica aromática ou de sabor das clássicas Hefeweizen.
Há também cervejarias fora da Alemanha, particularmente nos Estados Unidos, que usam a denominação Hefeweizen para descrever as cervejas de trigo fermentadas por leveduras standard de lager ou ale; contudo isso está incorreto, pelo fato de essas cervejas não levarem nenhuma característica aromática ou de sabor das clássicas Hefeweizen.
Ainda que muitas vezes sejam usados
fermentadores cônicos, as leveduras utilizadas para a produção de Weizenbier floculam no topo do líquido uma vez terminado o
trabalho, sendo perfeitas para o uso de fermentação aberta. Muitos produtores
de Weiβbier consideram que o uso de fermentação aberta acentua o perfil de
éster da bebida, preferindo essa técnica em sua produção. A primeira fermentação geralmente ocorre a temperaturas mais
altas, entre 20ºC e 22ºC, reforçando a formação de ésteres, e é completada em 2
a 4 dias. Após um curto período de maturação em tanques fechados, a
temperaturas próximas de 10ºC, geralmente entre 10 e 14 dias, a cerveja está
pronta para envase. Tradicionalmente as Weiβbier são refermentadas em garrafa,
usando Speise (Sepise quer dizer “refeição” em alemão; Speise é mosto com
leveduras novas) como priming para que sejam atendidas as leis de pureza. A
refermentação pode ser realizada pela levedura original, mas muitas vezes são
adicionadas leveduras para lager devido à sua textura mais floculada na garrafa;
as leveduras de alta fermentação ajudam em termos aromáticos da cerveja pronta,
leveduras de baixa fermentação combatem a formação de componentes indesejados. Ambas
as leveduras, tanto de alta quanto de baixa fermentação, diferente do que se
possa esperar (principalmente no caso das de alta fermentação, claro), se
depositam no fundo da garrafa depois de terminado o seu trabalho de refermentação.
Infelizmente, a real refermentação em garrafa
tem se tornado muito rara, especialmente nas grandes cervejarias, sendo a maior
parte das Weiβbier de fora da Bavária pasteurizadas. Nesse caso a maturação ocorre
em grandes barris próprios, a uma temperatura de aproximadamente -1ºC. Esse
processo leva a aromas menos acentuados e clássicos na cerveja pronta. A refermentação em
garrafa é responsável por um sabor mais fresco, além de ser capaz de atingir
altos níveis de carbonetação, até quatro volumes (8 g/L), cerca de 30% mais
alto que uma cerveja pilsen.
Na fase de estabilização a
cerveja é, muitas vezes, filtrada e em seguida recebe novamente as leveduras
(nesse momento já mortas devido à alteração súbita de temperatura) e demais elementos
previamente filtrados. Dessa forma é possível alcançar uma validade maior do
produto, mantendo o mesmo sabor mediante retenção de todos os componentes e sem
que se faça necessária a pasteurização de toda a produção. Quando do uso de
leveduras ainda vivas (quando a bebida não é filtrada), por vezes usa-se a
técnica de aquecer a cerveja rapidamente, de forma a imobilizá-las, mas sem
destruir a sua estrutura.
As variedades
Fonte: Franziskaner |
A Weiβbier pode se apresentar em
algumas variantes. Existe a clássica Weiβbier ou Hefeweizen, uma cerveja clara
com muita levedura suspensa e coroada com uma espessa camada de espuma; depois
existe a Dunkelweizen, que é uma Weiβbier feita com a adição de maltes escuros,
tais como Caramel, Crystal ou simplesmente maltes torrados. As Weiβbier de
coloração âmbar são muitas vezes chamadas “Bernsteinfarbenes Weisse”, sendo
muitas delas consideradas especialmente tradicionais, uma vez que remontam às
primeiras cervejas de trigo, prévias à popularização dos maltes claros. Também existe
uma versão com baixo teor alcoólico, a chamada Leichtes Weisse. Depois existe a
Weiβbier filtrada, chamada Kristallweizen, as Dunkelweizen, assim como a Weizenbock (uma Bock
feita com malte de trigo). Em algumas ocasiões os cervejeiros também apostam em
Weizendoppelbock ou Weizeneisbock, ambas equivalentes às suas primas feitas
exclusivamente com malte de cevada. Em comum as cervejas Weizen têm, além
disso, o fato de levarem uma quantidade bastante modesta de lúpulos, de forma a
serem amplamente apreciadas entre aqueles que não gostam do amargor trazido por
essa nobre erva.
A apresentação
Fonte: www.strandzand.nl |
Todas são servidas em copos
altos (tradicionalemente, para quem já foi à Bavária sabe que, em alguns casos, é possível pedir 1L de Weizen, e nesse caso a cerveja será servida no não menos tradicional Maβ), largos e grossos em sua base (para que se possa brindar batendo a base,
e não o topo ou o meio do copo), com uma elegante cintura e uma posterior
subida dramática e de diâmetro cada vez maior até sua abertura. A alta
carbonetação e alto teor de proteina combinam para produzir uma espuma bastante
voluminosa, sendo talvez a sua caracetrística mais marcante, e responsável pelo
formato do copo (também chamado de Weiβbierstutzn, leva que as bolhas formadas
no fundo tenham que percorrer um longo caminho até o topo, deixando a bebida em
constante movimento). Além disso, o copo alto faz com que, toda vez que se
termina de sorver a bebida, o movimento de levar o copo à sua posição vertical
promove com que a bebida ‘caia’ dentro do copo, levando à nova formação de espuma. A
bebida pode passar de diferentes formas da garrafa ao copo, entretanto são duas
as formas mais comuns. A primeira é virar a garrafa de Hefeweizen cuidadosamente
no copo inclinado para alcançar uma espuma generosa, mas controladamente, até que reste apenas cerca de um quinto da bebida na garrafa; em
seguida girar mais ou menos vigorosamente o vasilhame, segurando pelo seu
pescoço, com o que restou do líquido no fundo da garrafa, afim de que a
levedura depositada em seu fundo se espalhe pelo líquido, causando grande
formação de espuma, antes de completar o copo.
A segunda forma é mais
dramática: segura-se o copo em posição quase vertical e, após remover a tampa
da garrafa, vira-se essa de uma só vez de cabeça para baixo dentro do copo. Por
maior que seja o susto inicial, assim que a bebida dentro do copo alcance a
boca da garrafa, esse modo permite um controle total sobre a velocidade de
envase e formação de espuma. Além disso, devido à entrada “em solavancos” de ar
na garrafa, esse promove que a bebida bata no fundo da garrafa (agora o seu
topo), misturando bem a levedura ali depositada.
Vale lembrar apenas que é necessária
uma boa lavagem da garrafa antes de entorná-la dessa forma, uma vez que ela
ficará submersa na bebida. Além disso, seja qual for o método empregado, é
sempre bom lavar o copo de Weizen previamente com água fria, de forma a
resfriar as paredes do copo, garantindo um melhor controle e retenção da espuma
(além da questão de higiene, claro). Também é importante guardar a garrafa
sempre em posição vertical, para que a levedura se deposite no fundo da
garrafa; se a garrafa permanecer na horizontal e a levedura se espalhar pela
parede dela, assim que o conteúdo for virado no copo a levedura se espalhará de
forma muito rápida, levando a uma produção excessiva de espuma.
Existem algumas teorias de que
foi justamente essa bendita levedura em suspenção na Weiβbier a responsável pelo seu retorno
impactante na década de 1960. Os meados da década de 1960 viram um crescente
interesse em alimentos naturais, e a levedura cervejeira é uma excelente fonte
de vitaminas.
Fonte: Carl-Theodor |
Na Alemanha, a Hefeweizen (atualmente!)
jamais é servida com fatias de limão no copo, tradição que se alastrou
fortemente, por exemplo, nos Estados Unidos, nas décadas de 1980 e 1990. Entretanto,
se engana quem pensa que isso é um modismo moderno. A questão é que, antes de
haver os modernos controles de qualidade nas cervejarias e tavernas (como pode
ser lido em outros posts, como por exemplo, esse), não era comum girar a
garrafa de Hefeweizen para levantar a levedura e lançá-la ao copo. Isso porque,
além do fato de a levedura trazer notas bastante amargas consigo, havia o risco
de haver impurezas no fundo da garrafa. Caso, contudo, a levedura acabasse
por cair no copo - seja por malandragem, seja por falta de destreza por parte
do garçom -, era habitual que fosse prontamente jogada uma rodela de limão na
bebida, a fim de neutralizar o amargor. Hoje o assunto é visto de outra forma,
muito em função de a bebida ser isenta de impurezas, e a levedura ser neutralizada
muito antes de chegar à mesa do consumidor. Em termos práticos o aroma do limão
se sobrepõe de forma muito intensa aos aromas naturais da cerveja, muito mais
delicados, e o óleo proveniente da casca da fruta destroem de forma muito
rápida a camada de espuma.
Dessa forma, quem pedir pela fatia de limão
em sua Weiβbier nos Biergarten da Bavária geralmente será agraciado com
sorrisos amarelos por parte de quem serve.
Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein
Referências
- The Oxford Companion to Beer - Garrett Oliver
- Let Me Tell You About Beer - Melissa Cole
- American Institute for German Beer
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