segunda-feira, 21 de abril de 2014

Porter - Uma perspectiva histórica

Porter é um estilo de cerveja escura cuja história remonta ao século XVIII. A importância da Porter na história da cerveja mundo afora é imensa, sendo responsável por escrever em letras maiúsculas o nome das grandes cervejarias britânicas no cenário mundial, por matar a sede dos colonos americanos que, ávidos por independência, faziam de seu país um campo de batalha, além de viajar o mundo, sofrendo seguidas metamorfoses a fim de se adaptar a lugares e períodos diferentes, basta ver a variedade de estilos Porter disponíveis hoje. A cerveja Porter é atualmente um dos estilos mais firmemente enraizados no gosto do publico cervejeiro em todo o mundo, e sem dúvida o mais importante estilo de cerveja britânico já criado.



Mesmo assim, desfrutando de tal história e respeito, pouco se sabe sobre como era o sabor e o aroma dos primeiros barris de Porter a serem feitos, isso por volta do ano de 1720. Fato é que hoje, as melhores Porters são cervejas bem balanceadas e equilibradas, aromáticas, com notas de chocolate e café, caramelo, nozes e por vezes um leve aroma defumado, um corpo leve, boa drinkability, levemente lupulado, combinado com um final seco e ligeiramente ácido. Podem ser feitas a partir de fermentos próprios tanto para Lager (baixa fermentação) quanto para Ale (alta fermentação) e maltes torrados, que aliás são as estrelas da receita.

A escritora Melissa Cole, em seu livro LET ME TELL YOU ABOUT BEER, introduz o capítulo acerca da Porter de forma acertadíssima, e que vale transcrever aqui:

“Are you afraid of the dark? Or do you embrace the depths of porters and stouts? I ask because it can be a very divisive área of the beer world: to some people, porters and stouts are dark, handsome seducers, tempting their taste buds with a siren call of rich coffee and chocolate flavours, dried fruits, refreshing astringency or subtle smokiness. To others they look like a horryfing heavy drink that will make them drowsy and fat in two seconds flat!”

Vamos então descobrir um pouco mais acerca dessa que foi a cerveja preferida do ilustre George Washington.

A história

Antes do surgimento da cerveja Porter em solo britânico, a cerveja nesse país era um grande quebra-cabeças, variando de região para região, de cervejeiro para cervejeiro e assim por diante. Não havia sequer resquícios de unidade entre as bebidas feitas, variando-se tudo, desde a maltagem até a adição ou não de lúpulo, entre outros. Coube à Porter então acabar com essa bagunça, sendo a primeira cerveja produzida em escala industrial e prezando pela uniformidade.

A história da Porter, contudo, é quase tão escura, nebulosa e incerta como a cerveja em si. A versão mais persistente e conhecida, ainda que haja pouquíssimas evidências que a sustentem, é a do cervejeiro Ralph Harwood, proprietário do Bell Brewhouse, em Shoreditch, oeste de Londres, Inglaterra. Segundo esse conto, a cerveja do Mr. Harwood foi criada para agradar um determinado senhor, por sua vez proprietário do Blue Last, uma fonte de água que abastecia principalmente operários residentes próximos à Shoreditch´s Great Eastern Street, onde ficava exatamente o Blue Last. Essa fonte de água era frequentada em grande parte por carregadores, os porters, - homens corpulentos e fortes responsáveis por carregar todo tipo de mercadorias em suas costas dos depósitos à beira da cidade e do porto até o mercado central.

Blends, threads, butts....


Nessa época a cerveja, assim que vinha da cervejaria, era guardada para maturação no porão dos pubs, sendo consumida apenas após determinado período. A cerveja servida nos pubs era frequentemente uma mistura (blend) feita a partir de cervejas de vários barris diferentes, ou “butts”. Assim que abertos os barris pela primeira vez, o jato líquido que instantaneamente saia pela abertura do barril era chamado thread; assim, um blend de cerveja era fruto de vários threads. Evidentemente, a qualidade de um determinado blend variava diretamente com o quanto o cliente estava disposto a pagar. Nessa época, um dos blends mais famosos era chamado three-threads.

Havia naquele tempo vários motivos pelos quais a cerveja era misturada diretamente no pint do cliente, fazendo uso então da bebida de barris distintos. Devido à qualidade duvidosa e distinta entre as amostras de grãos e malte – problema esse que foi solucionado apenas no início do século 19 – o gosto e o aroma da cerveja eram difíceis de serem previstos quando de sua fabricação. Dessa forma, realizando o blend diretamente no pint do cliente, o dono do bar dispunha de grande flexibilidade a fim de moldar o gosto da bebida e assim satisfazer o gosto da clientela. Além disso, poder misturar a cerveja significava a possibilidade do dono do pub de se livrar de barris com cerveja fraca ou mesmo estragada, diluindo-a bem com outras cervejas melhores.

Verdades, lendas e o tal do Entire butt


Certa vez, Mr. Harwood decidiu fazer o blend das cervejas diretamente em sua cervejaria, eliminando assim o tempo gasto nos pubs para se misturar o blend em cada copo separado. Ele então preparou um mosto composto em grande parte por malte escuro (brown malt), representando uma mistura típica dos pubs à época, e o chamou de Entire Butt. O Entire Butt juntava o sabor de vários butts separados em apenas um, de forma “pré-fabricada”, demandando menos trabalho, e que poderia ser servido como um single thread. Sendo essa nova cerveja apreciada principalmente pelos porters em si, ela acabou por adotar o nome relativo à ocupação de seu mais ilustre público, Porter.

Pois bem, esse é o conto mais aceito acerca do surgimento dessa cerveja. Apesar de os chamados three-threads terem sido realidade à época mencionada, é mais provável que a Porter tenha surgido de forma diferente. De fato, o que une a história da Porter com a dos three-threads, é o fato de a Porter ter surgido, sim, como um blend - mas não necessariamente da forma como se conta nos pubs mundo a fora.

É mais provável que a Porter tenha surgido como uma variação de uma cerveja muito típica àquela época, e conhecida simplesmente como brown beer, da qual existem inúmeras receitas até os dias de hoje. Ela iniciou o seu reinado como uma versão envelhecida ou stale version da brown beer, ficando famosa ao longo do século XVIII. Em 1773, no The Complete English Brewer, George Watkins escreve acerca das grandes cervejarias produtoras de Porter (adaptado de The Oxford Companion to Beer, de Garrett Oliver):

“Thus, in brewing Porter, they make three and sometimes four mashes; strenghtening them with a little fresh malt, or running them as they call it a greater lenght, that is, making more beer from the same malt, according to their pleasure. These several worts they mix and make the whole of such a strenght as experience shews them porter ought to have; and this they work up and barrel accordingly. In the same manner, if a butt of porter be too mild, they will throw into it a small quantity of some that is very Strong and too stale; first dissolving in it a little isinglass. This produces a new tho’slight fermentation; and the liquor, in eighteen or twenty days, fines down, and has the expected flavor.”



Dessa forma, de fato podemos constatar que Porter se tratava de um blend de vários mostos distintos dentro de uma dada cervejaria; e essa prática, à época, não era exclusiva apenas quando da produção de Porters.

Contudo, nessa história toda, a verdade é que a Porter trouxe – e talvez essa seja sua maior contribuição à indústria cerveja – a ideia da maturação em larga escala na própria cervejaria de origem, eliminando a necessidade da maturação individual nos porões de cada pub; ou seja, a estocagem de cerveja não pronta para consumo pôde ser gradativamente ser eliminada. Dessa forma, a cerveja tornou-se um produto ainda mais barato.

As colônias americanas, grandes consumidoras de Porters, importavam a bebida das ilhas britânicas, mais precisamente das cervejarias londrinas, até que os ânimos esquentaram na década de 1760, quando as cervejarias americanas assumiram o controle em termos de produção e comercialização da bebida no novo mundo. A Porter preferida de George Washington, por exemplo, era feita por certo senhor Robert Hare, da cidade de Philadelphia; até hoje há cartas escritas por Washington exaltando as virtudes cervejeiras do mestre Hare e encomendando um estoque extra da bebida após um incêndio na cervejaria em 1790. Dessa forma, a Porter era uma das cervejas preferidas, quiçá a preferida em solo norte-americano até as lagers dominarem o mercado, quase acabando com as Porters na metade do século XIX, massacre que terminou por relegar a Porter ao esquecimento definitivamente na metade do século XX.

Ascenção, sucesso e os tonéis gigantes


Voltando às terras da rainha, a cerveja havia se tornado base para um negócio assaz lucrativo e de grandes proporções. A produção de Porters atingiu seu ápice em Londres na década de 1820, tornando-se a primeira cerveja comercial de massa. Nessa época a brown beer, original de Londres, tornava-se cada vez mais popular em solo irlandês. Por aquelas bandas, a cerveja era conhecida como “plain porter”, e continuou sendo produzida pela cervejaria Guiness até o ano de 1974.

Da mesma forma como a demanda pela cerveja Porter crescia, não apenas entre a classe operária, mas igualmente entre as classes mais nobres, crescia também a proporção e o poder das cervejarias que a produziam. Algumas delas passaram a se especializar apenas nesse seguimento, tornando-se empresas muito prósperas. Na primeira metade do século 19, por exemplo, a cervejaria Truman, Hanbury & Buxton passou a ser a segunda maior cervejaria de todo Reino Unido, baseando unicamente na força de sua porter, da qual apenas em 1845 produziu um total (exorbitante para a época) de 305.000 hl. Sustentando todo esse crescimento, a Revolução Industrial teve papel fundamental nesse processo, podendo-se ouvir as máquinas a vapor trabalhando dia e noite nas cervejarias londrinas.
Foto do dia 16.10.1814 nas redondezas da cervejaria Meux

Dado o fato de algumas das melhores Porters serem maturadas em grandes tonéis durante meses ou até anos, alguns desses barris tomaram proporções gigantescas. Certos exemplares eram tão estupidamente grandes, que as cervejarias passaram até mesmo a oferecer jantares à alta classe da sociedade no interior dos barris assim que estivessem vazios. O recorde em termos de maior barril de madeira à época foi estabelecido pela cervejaria Meux Brewery of London, cujo barril podia armazenar um total de 32.500 hl. Em 16 de outubro de 1814, contudo, um dos gigantescos barris da cervejaria Meux repentinamente quebrou, o que por sua vez levou à quebra de toneis adjascentes num efeito dominó, levando a uma verdadeira enxurrada de Porter pelas ruas próximas, causando a destruição de casas e ao afogamento de algumas pessoas. Isso se deu devido ao fato de a vizinhança ser composta em sua maioria por casas muito humildes, nas quais inúmeras famílias tinham seus quartos nos poroes, os quais rapidamente se preencheram com a cerveja derramada. O resultado desse acidente foi de 8 mortes, causadas por afogamento, ferimentos ou coma alcoólico. A cervejaria foi levada á julgamento pelo acontecimento, mas absolvida, uma vez que o júri classificou a tragédia como um ato divino, sem responsável direto. Desde 2012, um pub local chamado Holborn Whippet produz uma tonel de Porter esepcialmente para lembrar o dia do acidente. 
Atualmente, na Chiswell Street, em Londres, há um espaço de eventos chamado “The Brewery”, no qual é possível realizar eventos no local onde ficavam os barris gigantes da cervejaria Whitbread. Esse local é considerado um dos maiores salões ou pátios fechados de toda Londres.

Alcaçuz, brown malt e canela


Porter da cervejaria Kona, Hawaii, com adição de
cacau local
Apesar de sua grande popularidade, como já dito pouco se sabe sobre como era o sabor das cervejas Porter em seus primórdios, uma vez que o sabor e aroma da bebida à época condiziam às condições de higiene e à tecnologia de estocagem às quais o produto era submetido. Só nos resta especular um pouco. Dessa forma, a Porter naquela época provavelmente tinha aparência variando entre cobre, marrom ou mesmo mogno, sendo feita a partir de brown malt, com notas de defumado próprias à secagem do malte da época (ver post sobre malte e Rauchbier). Nesse tempo, era dada preferência ao malte seco sob fogo de palha, pois esse confere menos aroma defumado aos grãos. Esse brown malt era torrado, as vezes demais, a ponto de literalmente queimar levemente, e mesmo assim ser utilizado. Dessa forma, uma porção reduzida do amido permanecia no malte para posterior formação de açúcar. Além disso, dependendo das mudanças repentinas em termos de leis acerca da produção da cerveja, a coloração da bebida na época era muito variada; um ingrediente comum para colorir a cerveja era alcaçuz. Outros ingredientes eventualmente adicionados às primeiras Porters, seja para trabalhar seu aroma ou sabor, compreendem: pimenta, anamirta cocculus, alume, sulfato de ferro (!), bitartarato de potássio, cal, linhaça, gengibre e canela. Uma certeza acerca das cervejas Porter desse tempo é a de que eram muito lupuladas; contudo, esse amargor desaparecia após meses de maturação e reserva.

Bactérias, fungos e o Dr. Claussen


Logo da cervejaria Carlsberg, onde
o Dr. Claussen trabalhava á época
da descoberta.
Por outro lado, é importante dizer que o mundo microscópico desempenhava um importante papel na fermentação das porters naquela época (veja o post sobre levedo). Considerando a longa reserva da bebida em grandes tonéis e barris de madeira durante meses, é de se assumir que essa madeira servia igualmente como berço para levedura selvagem e bactérias das mais variadas, incluindo lactobacilos como o Brettanomyces, os quais exercem grandes efeitos tanto no aroma quanto no gosto das cervejas prontas. Ao passo que os lactobacilos produzem àcido lático, o Brettanomyces, uma espécie de levedura selvagem, é responsável por conferir aquele conhecido aroma próprio das cervejas belgas de maturação espontânea, as lambics. O Brettanomyces foi primeiramente descoberto na Grã-Bretanha (e não na Bélgica), quando da segunda fermentação de uma autêntica ale inglesa por certo senhor N. Hjelte Claussen, então diretor do laboratório da New Carlsberg Brewery, em Copenhagen, Dinamarca. O senhor Claussen denominou o levedo Brettanomyces, significando “o levedo britânico”, em uma reunião do Institute of Brewing em 1904, afirmando que o uso desse levedo conferia à cerveja um leve toque britânico. Desde então, o Brettanomyces recebeu diferentes nomes dependendo de sua linhagem; Breattanomyces clausenii no caso do levedo utilizado no Reino Unido, Brettanomyces bruxellensis para sua linhagem extremamente forte, típica da Bélgica, e Brettanomyces lambicus, típico das lambics. Voltando às Porters, é de se assumir, então, que tanto os lactobacilos quanto o Brettanomyces eram responsáveis por conferir o típico sabor à cerveja naquela época. A cervejaria inglesa Meantime Brewing Co até hoje introduz Brettanomyces’ selvagens em sua Porter versão histórica.


Impostos, rendimento e a introdução do Pale Malt


Assim como as técnicas de fermentação se desenvolveram de forma dramática durante a Revolução Industrial ao longo do século 19, também a Porter passou por grandes mudanças. Quando Daniel Wheeler apresentou o black “patent” malt em 1817, a composição da maior parte das Porters comerciais mudou rápida e drasticamente, passando a fazer uso de pale malt (malte claro, ver post sobre o malte) como malte de base, e adicionando o novo black malt apenas para conferir sabor e aroma. O malte claro podia facilmente render até 30% mais do que o malte torrado utilizado até então. Como durante muitos anos as cervejarias inglesas pagaram impostos sobre a quantidade de malte utilizado, essa mudança na receita e no malte utilizado não alterou apenas a cerveja como também o fluxo de caixa dos cervejeiros.
Pale Malt

Também nessa época, outros avanços tecnológicos abriram um amplo leque de opções para que os cervejeiros da época pudessem experimentar livremente quando da fermentação de suas cervejas. Dessa forma também surgiram as raízes da cerveja Stout. Isso porque a Porter passou a se tornar uma cerveja cada vez mais forte e encorpada, tanto quando feita para consumo nacional como quando feita para exportação, recebendo o nome de Stout Porter. No início do século XX contudo as duas cervejas já eram consideradas estilos distintos e únicos entre si, como evidenciado pelo autor Samuel Sadtler em seu livro “A Hand-book of Industrial Organic Chemistry”: “Porter´ has now come to mean a dark malt liquor, made partly from brown or black malt, the caramel in which gives it the sweetness and syrupy appearance, and containing four or five per cent of alcohol. Stout is a stronger porter, with larger amount of dissolved solids, and containing six or seven per cent of alcohol” (OLIVER, 2011).

Porters, Porters e Porters


Para o comércio nos Balcãs, uma versão ainda mais forte da Porter acabou por surgir, a Balcan Porter, bebida essa que continua sendo feita em muitos países, incluindo-se aí a Finlândia, Suécia, Alemanha, Polônia e Estônia. Em termos de sabor ela se assemelha a Imperial Stout, sendo por outro lado forte como uma Barley Wine, com cerca de 7% de álcool ou mais. É uma cerveja de baixa fermentação a partir de levedos próprios para lager. Outras versões de Porters ficaram conhecidas e se difundiram mundo afora nesse tempo, principalmente na Índia e no Caribe; mais precisamente, essas são as cervejas que hoje são conhecidas como Foreign Stouts. Costumam ser fortes e dispõe de uma nota ácida, como o devem ter tido as primeiras Porters, e cuja missão era, em tempos prévios à refrigeração, cobrir o gosto muito doce ou maltado de cerveja guardada em condições não apropriadas ao longo de viagens, por exemplo.

Pale ales, tecnologia e o início do fim


Mas voltando ás Porters, é sabido que na Inglaterra vitoriana havia certa diferenciação entre as Porters, separando-as a partir da classe social de seus consumidores. Vale lembrar agora que a Porter surgiu entre a classe trabalhadora, mas isso não a impediu de subir a escada social fazendo com que algumas versões conseguissem prestígio entre as classes mais altas da sociedade da época. Uma dessas foi a Robust Porter, considerada cerveja para conoisseurs, e não beberrões, apesar de seu nome.

Na década de 1870, contudo, o reinado da cerveja Porter iniciou sua derrocada. A tradição de envelhecer cervejas estava caindo no esquecimento (veja abaixo o porquê), o gosto da clientela havia mudado, e as cervejarias perderam interesse em produzir o licor negro, passando a produzir massivamente as rentáveis lagers. A história da cerveja Porter foi, novamente, fortemente influenciada pelos avanços tecnológicos da época. Por um lado, o advento do termômetro e de equipamentos de refrigeração permitiu aos cervejeiros um maior controle sobre o processo de fabricação. Por outro lado, a invenção do densímetro proporcionou a possibilidade de se constatar qual malte proporciona a maior quantidade de açúcares fermentáveis. Assim, os cervejeiros puderam controlar melhor o quanto de açúcar a levedura consumia, podendo criar cervejas mais doces (veja o post sobre levo), próprias para consumo sem necessidade de longa maturação, denominadas a partir de então de mild. Essa nova tecnologia, combinada com a tendência da utilização de maltes claros resultou em novos rumos na indústria, sendo a larga produção direcionada às cervejas claras, mais baratas de serem produzidas (pelos motivos já citados) e dessa forma acessíveis à todas as classes da sociedade. Por fim, a água da região de Burton upon Trent mostrou-se mais adequada à fabricação de cervejas claras e, conforme mais e mais pessoas adquiriram gosto por esse tipo de bebida, até mesmo o título de capital da cerveja passou de Londres para Burton, relegando as Porters, mais e mais, ao esquecimento.

Assim, as pale ales eram as cervejas a degustar o status de cerveja da moda, por outro, as Stouts, filhas da Porter, estavam empurrando-a para o lado, tomando o seu lugar mais e mais. Na década de 1920, a maioria das Porters já não era nem sombra daquilo que um dia foi, não passando de uma cerveja escura pouco encorpada, fraca e longe de agradável ao paladar; a Porter era ume cerveja para velhos. A outrora grande Chiswell Street Brewery produziu seu último barril de Porter no dia 9 de Setembro de 1940, ao som amedrontador de sirenes a tocar pelas ruas londrinas. As cervejarias londrinas até continuaram a produzir Porters nos anos 50, mas o prestígio e a popularidade da bebida tendia a zero.

Estados Unidos, dry hopping e craft beer


Foi apenas nas últimas décadas que a Porter pôde experimentar um digno comeback, graças principalmente as cervejarias artesanais norte-americanas, que conferiram á outrora cerveja da classe operária um status de cerveja fina e respeitável. Também no Reino Unido, há cada vez mais cervejarias fazendo da Porter produto de prateleira. Muitas dessas cervejarias estão conferindo aos seus produtos um gosto e aroma mais forte de chocolate e caramelo, mais forte do que aquele das Porters antes da decadência, mas menos forte que de um Stout. O teor alcoólico parece ter sido padronizado em no máximo 6%, sendo geralmente 2-2,5% abaixo disso. Muitas porters produzidas nos EUA experimentam dry-hopping, passando a ser chamadas de American Porter. As Baltic Porters estão experimentando um efeito muito parecido, ganhando cada vez mais espaço entre as micro cervejarias norte-americanas.


Parece que essa cerveja, que experimentou tantas mudanças ao longo de três séculos de existência está retornando outra vez, dessa vez para se tornar um produto típico de micro cervejarias, e assim buscando reconquistar seu espaço mundo afora.


Referências


  • The Oxford Companion to Beer - Oliver, Garrett
  • Let Me Tell You About Beer - Cole, Melissa
  • Larousse da Cerveja - Morado, Ronaldo


Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein

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