Porter é um estilo de cerveja escura cuja
história remonta ao século XVIII. A importância da Porter na história da cerveja
mundo afora é imensa, sendo responsável por escrever em letras maiúsculas o
nome das grandes cervejarias britânicas no cenário mundial, por matar a sede
dos colonos americanos que, ávidos por independência, faziam de seu país um
campo de batalha, além de viajar o mundo, sofrendo seguidas metamorfoses a fim
de se adaptar a lugares e períodos diferentes, basta ver a variedade de estilos
Porter disponíveis hoje. A cerveja Porter é atualmente um dos estilos mais
firmemente enraizados no gosto do publico cervejeiro em todo o mundo, e sem dúvida
o mais importante estilo de cerveja britânico já criado.
Mesmo assim, desfrutando de tal história e
respeito, pouco se sabe sobre como era o sabor e o aroma dos primeiros barris
de Porter a serem feitos, isso por volta do ano de 1720. Fato é que hoje, as
melhores Porters são cervejas bem balanceadas e equilibradas, aromáticas, com
notas de chocolate e café, caramelo, nozes e por vezes um leve aroma defumado,
um corpo leve, boa drinkability,
levemente lupulado, combinado com um final seco e ligeiramente ácido. Podem ser
feitas a partir de fermentos próprios tanto para Lager (baixa fermentação)
quanto para Ale (alta fermentação) e maltes torrados, que aliás são as estrelas
da receita.
A escritora Melissa Cole, em seu livro LET ME TELL YOU ABOUT BEER, introduz o
capítulo acerca da Porter de forma acertadíssima, e que vale transcrever aqui:
“Are you afraid of the
dark? Or do you embrace the depths of porters and stouts? I ask because it can
be a very divisive área of the beer world: to some people, porters and stouts
are dark, handsome seducers, tempting their taste buds with a siren call of
rich coffee and chocolate flavours, dried fruits, refreshing astringency or
subtle smokiness. To others they look like a horryfing heavy drink that will
make them drowsy and fat in two seconds flat!”
Vamos então descobrir um pouco mais acerca
dessa que foi a cerveja preferida do ilustre George Washington.
A
história
Antes do surgimento da cerveja Porter em solo
britânico, a cerveja nesse país era um grande quebra-cabeças, variando de região
para região, de cervejeiro para cervejeiro e assim por diante. Não havia sequer
resquícios de unidade entre as bebidas feitas, variando-se tudo, desde a
maltagem até a adição ou não de lúpulo, entre outros. Coube à Porter então
acabar com essa bagunça, sendo a primeira cerveja produzida em escala industrial
e prezando pela uniformidade.
A história da Porter, contudo, é quase tão escura,
nebulosa e incerta como a cerveja em si. A versão mais persistente e conhecida,
ainda que haja pouquíssimas evidências que a sustentem, é a do cervejeiro Ralph
Harwood, proprietário do Bell Brewhouse,
em Shoreditch, oeste de Londres, Inglaterra. Segundo esse conto, a cerveja do
Mr. Harwood foi criada para agradar um determinado senhor, por sua vez
proprietário do Blue Last, uma fonte
de água que abastecia principalmente operários residentes próximos à Shoreditch´s Great Eastern Street, onde
ficava exatamente o Blue Last. Essa
fonte de água era frequentada em grande parte por carregadores, os porters, - homens corpulentos e fortes
responsáveis por carregar todo tipo de mercadorias em suas costas dos depósitos
à beira da cidade e do porto até o mercado central.
Blends, threads, butts....
Nessa época a cerveja, assim que vinha da
cervejaria, era guardada para maturação no porão dos pubs, sendo consumida apenas após determinado período. A cerveja
servida nos pubs era frequentemente uma mistura (blend) feita a partir de cervejas de vários barris diferentes, ou “butts”. Assim que abertos os barris pela
primeira vez, o jato líquido que instantaneamente saia pela abertura do barril
era chamado thread; assim, um blend de cerveja era fruto de vários threads. Evidentemente, a qualidade de
um determinado blend variava
diretamente com o quanto o cliente estava disposto a pagar. Nessa época, um dos
blends mais famosos era chamado three-threads.
Havia naquele tempo vários motivos pelos quais
a cerveja era misturada diretamente no pint
do cliente, fazendo uso então da bebida de barris distintos. Devido à qualidade
duvidosa e distinta entre as amostras de grãos e malte – problema esse que foi
solucionado apenas no início do século 19 – o gosto e o aroma da cerveja eram
difíceis de serem previstos quando de sua fabricação. Dessa forma, realizando o blend diretamente no pint do cliente, o dono do bar dispunha
de grande flexibilidade a fim de moldar o gosto da bebida e assim satisfazer o
gosto da clientela. Além disso, poder misturar a cerveja significava a
possibilidade do dono do pub de se
livrar de barris com cerveja fraca ou mesmo estragada, diluindo-a bem com
outras cervejas melhores.
Verdades, lendas e o tal do Entire butt
Certa vez, Mr. Harwood decidiu fazer o blend das cervejas diretamente em sua
cervejaria, eliminando assim o tempo gasto nos pubs para se misturar o blend
em cada copo separado. Ele então preparou um mosto composto em grande parte por
malte escuro (brown malt),
representando uma mistura típica dos pubs
à época, e o chamou de Entire Butt. O
Entire Butt juntava o sabor de vários
butts separados em apenas um, de
forma “pré-fabricada”, demandando menos trabalho, e que poderia ser servido
como um single thread. Sendo essa
nova cerveja apreciada principalmente pelos porters
em si, ela acabou por adotar o nome relativo à ocupação de seu mais ilustre
público, Porter.
Pois bem, esse é o conto mais aceito acerca do
surgimento dessa cerveja. Apesar de os chamados three-threads terem sido realidade à época mencionada, é mais
provável que a Porter tenha surgido de forma diferente. De fato, o que une a
história da Porter com a dos three-threads,
é o fato de a Porter ter surgido, sim, como um blend - mas não necessariamente da forma como se conta nos pubs
mundo a fora.
É mais provável que a Porter tenha surgido como
uma variação de uma cerveja muito típica àquela época, e conhecida simplesmente
como brown beer, da qual existem
inúmeras receitas até os dias de hoje. Ela iniciou o seu reinado como uma
versão envelhecida ou stale version
da brown beer, ficando famosa ao
longo do século XVIII. Em 1773, no The
Complete English Brewer, George Watkins escreve acerca das grandes
cervejarias produtoras de Porter (adaptado de The Oxford Companion to Beer, de
Garrett Oliver):
“Thus, in brewing Porter, they make three and sometimes four
mashes; strenghtening them with a little fresh malt, or running them as they
call it a greater lenght, that is, making more beer from the same malt,
according to their pleasure. These several worts they mix and make the whole of
such a strenght as experience shews them porter ought to have; and this they
work up and barrel accordingly. In the same manner, if a butt of porter be too
mild, they will throw into it a small quantity of some that is very Strong and
too stale; first dissolving in it a little isinglass. This produces a new
tho’slight fermentation; and the liquor, in eighteen or twenty days, fines
down, and has the expected flavor.”
Dessa forma, de fato podemos constatar que Porter
se tratava de um blend de vários
mostos distintos dentro de uma dada cervejaria; e essa prática, à época, não
era exclusiva apenas quando da produção de Porters.
Contudo, nessa história toda, a verdade é que a
Porter trouxe – e talvez essa seja sua maior contribuição à indústria cerveja –
a ideia da maturação em larga escala na própria cervejaria de origem,
eliminando a necessidade da maturação individual nos porões de cada pub; ou
seja, a estocagem de cerveja não pronta para consumo pôde ser gradativamente ser
eliminada. Dessa forma, a cerveja tornou-se um produto ainda mais barato.
As colônias americanas, grandes consumidoras de
Porters, importavam a bebida das ilhas britânicas, mais precisamente das
cervejarias londrinas, até que os ânimos esquentaram na década de 1760, quando
as cervejarias americanas assumiram o controle em termos de produção e
comercialização da bebida no novo mundo. A Porter preferida de George
Washington, por exemplo, era feita por certo senhor Robert Hare, da cidade de
Philadelphia; até hoje há cartas escritas por Washington exaltando as virtudes
cervejeiras do mestre Hare e encomendando um estoque extra da bebida após um
incêndio na cervejaria em 1790. Dessa forma, a Porter era uma das cervejas preferidas,
quiçá a preferida em solo norte-americano até as lagers dominarem o mercado,
quase acabando com as Porters na metade do século XIX, massacre que terminou
por relegar a Porter ao esquecimento definitivamente na metade do século XX.
Ascenção, sucesso e os tonéis gigantes
Voltando às terras da rainha, a cerveja havia
se tornado base para um negócio assaz lucrativo e de grandes proporções. A
produção de Porters atingiu seu ápice em Londres na década de 1820, tornando-se
a primeira cerveja comercial de massa. Nessa época a brown beer, original de Londres, tornava-se cada vez mais popular
em solo irlandês. Por aquelas bandas, a cerveja era conhecida como “plain porter”, e continuou sendo
produzida pela cervejaria Guiness até o ano de 1974.
Da mesma forma como a demanda pela cerveja Porter
crescia, não apenas entre a classe operária, mas igualmente entre as classes
mais nobres, crescia também a proporção e o poder das cervejarias que a
produziam. Algumas delas passaram a se especializar apenas nesse seguimento,
tornando-se empresas muito prósperas. Na primeira metade do século 19, por
exemplo, a cervejaria Truman, Hanbury & Buxton passou a ser a segunda maior
cervejaria de todo Reino Unido, baseando unicamente na força de sua porter, da
qual apenas em 1845 produziu um total (exorbitante para a época) de 305.000 hl.
Sustentando todo esse crescimento, a Revolução Industrial teve papel
fundamental nesse processo, podendo-se ouvir as máquinas a vapor trabalhando
dia e noite nas cervejarias londrinas.
Foto do dia 16.10.1814 nas redondezas da cervejaria Meux |
Dado o fato de algumas das melhores Porters
serem maturadas em grandes tonéis durante meses ou até anos, alguns desses
barris tomaram proporções gigantescas. Certos exemplares eram tão estupidamente
grandes, que as cervejarias passaram até mesmo a oferecer jantares à alta
classe da sociedade no interior dos barris assim que estivessem vazios. O
recorde em termos de maior barril de madeira à época foi estabelecido pela
cervejaria Meux Brewery of London, cujo barril podia armazenar um total de
32.500 hl. Em 16 de outubro de 1814, contudo, um dos gigantescos barris da cervejaria Meux
repentinamente quebrou, o que por sua vez levou à quebra de toneis adjascentes num efeito dominó, levando a uma verdadeira enxurrada de Porter pelas ruas
próximas, causando a destruição de casas e ao afogamento de algumas
pessoas. Isso se deu devido ao fato de a vizinhança ser composta em sua maioria por casas muito humildes, nas quais inúmeras famílias tinham seus quartos nos poroes, os quais rapidamente se preencheram com a cerveja derramada. O resultado desse acidente foi de 8 mortes, causadas por afogamento,
ferimentos ou coma alcoólico. A cervejaria foi levada á julgamento pelo acontecimento, mas absolvida, uma vez que o júri classificou a tragédia como um ato divino, sem responsável direto. Desde 2012, um pub local chamado Holborn Whippet produz uma tonel de Porter esepcialmente para lembrar o dia do acidente.
Atualmente, na Chiswell Street, em Londres, há um espaço de eventos chamado “The
Brewery”, no qual é possível realizar eventos no local onde ficavam os barris
gigantes da cervejaria Whitbread. Esse local é considerado um dos maiores
salões ou pátios fechados de toda Londres.
Alcaçuz, brown malt e canela
Porter da cervejaria Kona, Hawaii, com adição de cacau local |
Apesar de sua grande popularidade, como já dito
pouco se sabe sobre como era o sabor das cervejas Porter em seus primórdios,
uma vez que o sabor e aroma da bebida à época condiziam às condições de higiene
e à tecnologia de estocagem às quais o produto era submetido. Só nos resta especular
um pouco. Dessa forma, a Porter naquela época provavelmente tinha aparência
variando entre cobre, marrom ou mesmo mogno, sendo feita a partir de brown malt, com notas de defumado
próprias à secagem do malte da época (ver post sobre malte e Rauchbier). Nesse
tempo, era dada preferência ao malte seco sob fogo de palha, pois esse confere menos
aroma defumado aos grãos. Esse brown malt
era torrado, as vezes demais, a ponto de literalmente queimar levemente, e
mesmo assim ser utilizado. Dessa forma, uma porção reduzida do amido permanecia
no malte para posterior formação de açúcar. Além disso, dependendo das mudanças
repentinas em termos de leis acerca da produção da cerveja, a coloração da
bebida na época era muito variada; um ingrediente comum para colorir a cerveja
era alcaçuz. Outros ingredientes eventualmente adicionados às primeiras Porters,
seja para trabalhar seu aroma ou sabor, compreendem: pimenta, anamirta cocculus,
alume, sulfato de ferro (!), bitartarato de potássio, cal, linhaça, gengibre e
canela. Uma certeza acerca das cervejas Porter desse tempo é a de que eram
muito lupuladas; contudo, esse amargor desaparecia após meses de maturação e
reserva.
Bactérias, fungos e o Dr. Claussen
Logo da cervejaria Carlsberg, onde o Dr. Claussen trabalhava á época da descoberta. |
Por outro lado, é importante dizer que o mundo
microscópico desempenhava um importante papel na fermentação das porters
naquela época (veja o post sobre levedo). Considerando a longa reserva da
bebida em grandes tonéis e barris de madeira durante meses, é de se assumir que
essa madeira servia igualmente como berço para levedura selvagem e bactérias
das mais variadas, incluindo lactobacilos como o Brettanomyces, os quais exercem grandes efeitos tanto no aroma
quanto no gosto das cervejas prontas. Ao passo que os lactobacilos produzem
àcido lático, o Brettanomyces, uma
espécie de levedura selvagem, é responsável por conferir aquele conhecido aroma
próprio das cervejas belgas de maturação espontânea, as lambics. O Brettanomyces
foi primeiramente descoberto na Grã-Bretanha (e não na Bélgica), quando da
segunda fermentação de uma autêntica ale
inglesa por certo senhor N. Hjelte Claussen, então diretor do laboratório da
New Carlsberg Brewery, em Copenhagen, Dinamarca. O senhor Claussen denominou o
levedo Brettanomyces, significando “o
levedo britânico”, em uma reunião do Institute of Brewing em 1904, afirmando
que o uso desse levedo conferia à cerveja um leve toque britânico. Desde então,
o Brettanomyces recebeu diferentes nomes dependendo de sua linhagem; Breattanomyces clausenii no caso do
levedo utilizado no Reino Unido, Brettanomyces
bruxellensis para sua linhagem extremamente forte, típica da Bélgica, e Brettanomyces lambicus, típico das lambics. Voltando às Porters, é de se
assumir, então, que tanto os lactobacilos quanto o Brettanomyces eram responsáveis por conferir o típico sabor à
cerveja naquela época. A cervejaria inglesa Meantime Brewing Co até hoje
introduz Brettanomyces’ selvagens em sua Porter versão histórica.
Impostos, rendimento e a introdução do Pale Malt
Assim como as técnicas de fermentação se
desenvolveram de forma dramática durante a Revolução Industrial ao longo do
século 19, também a Porter passou por grandes mudanças. Quando Daniel Wheeler
apresentou o black “patent” malt em
1817, a composição da maior parte das Porters comerciais mudou rápida e
drasticamente, passando a fazer uso de pale
malt (malte claro, ver post sobre o malte) como malte de base, e
adicionando o novo black malt apenas para
conferir sabor e aroma. O malte claro podia facilmente render até 30% mais do
que o malte torrado utilizado até então. Como durante muitos anos as cervejarias
inglesas pagaram impostos sobre a quantidade de malte utilizado, essa mudança
na receita e no malte utilizado não alterou apenas a cerveja como também o
fluxo de caixa dos cervejeiros.
Pale Malt |
Também nessa época, outros avanços tecnológicos
abriram um amplo leque de opções para que os cervejeiros da época pudessem
experimentar livremente quando da fermentação de suas cervejas. Dessa forma
também surgiram as raízes da cerveja Stout. Isso porque a Porter passou a se
tornar uma cerveja cada vez mais forte e encorpada, tanto quando feita para
consumo nacional como quando feita para exportação, recebendo o nome de Stout Porter.
No início do século XX contudo as duas cervejas já eram consideradas estilos
distintos e únicos entre si, como evidenciado pelo autor Samuel Sadtler em seu
livro “A Hand-book of Industrial Organic Chemistry”: “Porter´ has now come to mean a dark malt liquor, made partly from brown
or black malt, the caramel in which gives it the sweetness and syrupy
appearance, and containing four or five per cent of alcohol. Stout is a stronger porter, with larger amount of dissolved solids, and
containing six or seven per cent of alcohol” (OLIVER, 2011).
Porters, Porters e Porters
Para o comércio nos Balcãs, uma versão ainda
mais forte da Porter acabou por surgir, a Balcan Porter, bebida essa que
continua sendo feita em muitos países, incluindo-se aí a Finlândia, Suécia,
Alemanha, Polônia e Estônia. Em termos de sabor ela se assemelha a Imperial
Stout, sendo por outro lado forte como uma Barley Wine, com cerca de 7% de
álcool ou mais. É uma cerveja de baixa fermentação a partir de levedos próprios
para lager. Outras versões de Porters ficaram conhecidas e se difundiram mundo
afora nesse tempo, principalmente na Índia e no Caribe; mais precisamente,
essas são as cervejas que hoje são conhecidas como Foreign Stouts. Costumam ser
fortes e dispõe de uma nota ácida, como o devem ter tido as primeiras Porters,
e cuja missão era, em tempos prévios à refrigeração, cobrir o gosto muito doce
ou maltado de cerveja guardada em condições não apropriadas ao longo de
viagens, por exemplo.
Pale ales, tecnologia e o início do fim
Mas voltando ás Porters, é sabido que na
Inglaterra vitoriana havia certa diferenciação entre as Porters, separando-as a
partir da classe social de seus consumidores. Vale lembrar agora que a Porter
surgiu entre a classe trabalhadora, mas isso não a impediu de subir a escada
social fazendo com que algumas versões conseguissem prestígio entre as classes
mais altas da sociedade da época. Uma dessas foi a Robust Porter, considerada
cerveja para conoisseurs, e não
beberrões, apesar de seu nome.
Na década de 1870, contudo, o reinado da
cerveja Porter iniciou sua derrocada. A tradição de envelhecer cervejas estava caindo
no esquecimento (veja abaixo o porquê), o gosto da clientela havia mudado, e as
cervejarias perderam interesse em produzir o licor negro, passando a produzir
massivamente as rentáveis lagers. A história da cerveja Porter foi, novamente,
fortemente influenciada pelos avanços tecnológicos da época. Por um lado, o
advento do termômetro e de equipamentos de refrigeração permitiu aos
cervejeiros um maior controle sobre o processo de fabricação. Por outro lado, a
invenção do densímetro proporcionou a possibilidade de se constatar qual malte
proporciona a maior quantidade de açúcares fermentáveis. Assim, os cervejeiros
puderam controlar melhor o quanto de açúcar a levedura consumia, podendo criar
cervejas mais doces (veja o post sobre levo), próprias para consumo sem
necessidade de longa maturação, denominadas a partir de então de mild. Essa nova tecnologia, combinada
com a tendência da utilização de maltes claros resultou em novos rumos na indústria,
sendo a larga produção direcionada às cervejas claras, mais baratas de serem
produzidas (pelos motivos já citados) e dessa forma acessíveis à todas as
classes da sociedade. Por fim, a água da região de Burton upon Trent mostrou-se
mais adequada à fabricação de cervejas claras e, conforme mais e mais pessoas
adquiriram gosto por esse tipo de bebida, até mesmo o título de capital da
cerveja passou de Londres para Burton, relegando as Porters, mais e mais, ao
esquecimento.
Assim, as pale ales eram as cervejas a degustar
o status de cerveja da moda, por outro, as Stouts, filhas da Porter, estavam
empurrando-a para o lado, tomando o seu lugar mais e mais. Na década de 1920, a
maioria das Porters já não era nem sombra daquilo que um dia foi, não passando
de uma cerveja escura pouco encorpada, fraca e longe de agradável ao paladar; a
Porter era ume cerveja para velhos. A outrora grande Chiswell Street Brewery
produziu seu último barril de Porter no dia 9 de Setembro de 1940, ao som
amedrontador de sirenes a tocar pelas ruas londrinas. As cervejarias londrinas
até continuaram a produzir Porters nos anos 50, mas o prestígio e a
popularidade da bebida tendia a zero.
Estados Unidos, dry hopping e craft beer
Foi apenas nas últimas décadas que a Porter
pôde experimentar um digno comeback,
graças principalmente as cervejarias artesanais norte-americanas, que
conferiram á outrora cerveja da classe operária um status de cerveja fina e
respeitável. Também no Reino Unido, há cada vez mais cervejarias fazendo da
Porter produto de prateleira. Muitas dessas cervejarias estão conferindo aos
seus produtos um gosto e aroma mais forte de chocolate e caramelo, mais forte
do que aquele das Porters antes da decadência, mas menos forte que de um Stout.
O teor alcoólico parece ter sido padronizado em no máximo 6%, sendo geralmente
2-2,5% abaixo disso. Muitas porters produzidas nos EUA experimentam dry-hopping,
passando a ser chamadas de American Porter. As Baltic Porters estão
experimentando um efeito muito parecido, ganhando cada vez mais espaço entre as
micro cervejarias norte-americanas.
Parece que essa cerveja, que experimentou
tantas mudanças ao longo de três séculos de existência está retornando outra
vez, dessa vez para se tornar um produto típico de micro cervejarias, e assim
buscando reconquistar seu espaço mundo afora.
Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein
Referências
- The Oxford Companion to Beer - Oliver, Garrett
- Let Me Tell You About Beer - Cole, Melissa
- Larousse da Cerveja - Morado, Ronaldo
Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein
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