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A cerveja Saison é essencialmente uma Pale Ale
com teor alcoólico aproximado de 7%, altíssima carbonetação, com aroma e sabores
frutados e condimentados. A cerveja mestre em termos de Saison atualmente é a
Saison Dupont Vieille Provision.
Esse tipo de cerveja costumava ser feito nos
meses mais frios e com menor atividade nas fazendas de antigamente (como todos
os outros estilos, conforme já descrito em outros posts), e então reservada
para consumo ao longo do verão. A sua origem situa-se na região da Walônia,
mais precisamente na província de Hainaut, na parte francesa da Bélgica. A
cerveja era feita, como mencionado, nos meses mais frios, do final do outono ao
início da primavera, uma vez porque a refrigeração era precária ou inexistente,
e a fermentação podia então ser melhor controlada quando do frio ambiente,
outra para manter ocupados os servos fixos das fazendas da época, já que o
trabalho nos campos cheios de neve era quase inexistente e por fim ainda para
gerar bagaço, o qual podia ser incorporado à ração dos animais durante os meses
frios. Em seguida, a cerveja era consumida ao longo dos meses mais quentes,
quando os fazendeiros também contratavam os trabalhadores temporários –„les
saisonniers“-, que tinham direito a até cinco litros de cerveja por dia
trabalhado. Essas cervejas tinham um teor alcoólico menor que as Saisons
atuais, variando de 3% a 3,5%.
Contudo, ninguém pode ao certo afirmar como era
o gosto das Saisons daquela época, apenas é possível afirmar que deviam ser
bastante diferentes das atuais. O quão diferente é difícil de dizer. Como diz
Garrett Oliver, não é possível dizer ao certo também, uma vez que essa cerveja era
feita por fazendeiros, e não mestres cervejeiros, além disso, ela era feita
apenas para consumo próprio, e não era vendida nas cidades, de modo que é de se
assumir que o controle de qualidade não gozava de tanto prestígio quando de sua
fabricação como é hoje.
Também é de se assumir, que a repetibilidade
dessas cervejas era baixa. Os fazendeiros provavelmente variavam em muito os
ingredientes e as quantidades de ingredientes inseridos a cada nova produção,
dependendo do rendimento da safra das próprias fazendas. Além disso, as cervejas eram feitas com os mais variados grãos, podendo muito bem
variar entre cevada, trigo, centeio e outros. Da mesma forma no que tange o
lúpulo, sendo muito provável que o gruit ou outras ervas fossem largamente
utilizados.
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Dessa forma, fica fácil ver que nos primórdios não
havia sequer semelhanças suficientes para classificar essas cervejas como um
estilo próprio. Foi apenas muito mais tarde que se teve a ideia de aglomerar
essas cervejas de características parecidas, essas Ales refrescantes, em um
estilo único. Assim, as Saison, juntamente com suas colegas francesas
Bière de Garde, compõe as duas mais famosas representantes do estilo atualmente
conhecido como Farmhouse Ale. Ainda assim, por mais que pertençam à mesma
família, as cervejas variam entre si, sendo a Saison mais seca e com o lúpulo
desempenhando um certo papel, ao passo que a Bière de Garde é mais encorpada e
maltada.
As Saisons fermentam a variadas temperaturas,
dependendo da levedura utilizada, variando entre cerca de 29° a 35°C (!!!), até
os mais convencionais 18° a 24°C. Como um todo, assim como na maior parte das
cervejas, o tipo de malte (bem como a forma como esse foi trabalhado) determina
a coloração da cerveja. Desta forma, como geralmente opta-se por maltes claros,
a cerveja tende a ter uma coloração clara, de um dourado até alaranjado, ainda
que muito turva; entretanto, há também Saisons que fazem uso de maltes
torrados, podendo adquirir uma coloração âmbar. O uso de malte de trigo e centeio também
não é incomum. Da mesma forma, é comum o uso de raspas de cascas de laranja,
gengibre e corriander. Além da adição dessas especiarias, a produção de ésteres
é normal, dado a fermentação a altas temperaturas. Esses ésteres se fazem
presente no aroma da cerveja posteriormente.
Enfim, é muito difícil agrupar as Saison sob um
denominador comum. Quase todas as características da cerveja podem variar muito
de um exemplar para o outro. A coloração e a temperatura de fermentação, mas
também o corpo, a sensação, a doçura ou amargor podem ser até mesmo
contraditórios, impedindo que qualquer um obtenha êxito completo tentando
classificar esse estilo de cerveja. Parece mais um punhado de cervejas
meramente semelhantes, aquelas que haviam sido agrupadas sob “outras”, e que,
por dividirem uma história em comum, receberam uma classificação, just for the
records, mas que ninguém realmente resolveu à fundo.
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Quanto às Saisons modernas, pode-se arriscar um
pouco, não sendo nenhum pecado afirmar que esses exemplares têm em comum sua
alta carbonetação, sua consistência seca, de sabor e aroma frutado e com álcool
variando de 5% a 8% abv. O amargor tende a permanecer entre 20 e 40 IBU, e eventualmente refermentados na garrafa.
Ainda que o estilo de cerveja Saison seja
considerado um estilo com alto risco de extinção, a própria Saison Dupont foi
considerada „The Best Beer in the World“ pelo Men’s Journal em 2005 (para os
que me conhecem, sabem que odeio esse tipo de título ou ranking, mas nesse caso
é válido para a divulgação do estilo e luta pela tradição, certo?).
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Da mesma forma, há outras cervejarias na Bélgica que
seguem produzindo Saisons, muitas delas aproveitando carona no sucesso da
Dupont; outras são até mesmo mais velhas que ela, como é o caso da Brouwerij
Kerkom e sua Bink Blonde. Entre as cervejarias que produzem Saison em escala
média ou grande na Bélgica estão, por exemplo:
- Saison Pipaix, Brasserie Vapeur
- Saison 1900, Brasserie Lefebvre
- Várias Saisons “sasonais” da Brasserie Fantome
- Saison 2000, Brasserie Ellezelloise
- Saison Voisin, Brasserie de Geants
- Saison Epeautre, Brasserie Blaugies
Ainda segundo Oliver, é possível que em algum
tempo a Saison passe a não ser mais uma cerveja intimamente linkada à Bélgica,
mas cada vez mais aos Estados Unidos, país que detém atualmente a maior produção
dessa cerveja e o maior número de cervejarias que a produz. Em grande parte,
isso se deve à liberdade oferecida pelo estilo, que como descrito, varia em
toda e qualquer característica e método de fabricação, sendo um prato cheio para quem gosta de experimentar e arriscar na produção. Veremos se a profecia do
mestre cervejeiro estadunidense se confirmará.
Eisenbahn Saison
Bom, mas falando de terras tupiniquins, esses
dias tive a alegria de encontrar a Saison da Eisenbahn num mercado aqui em
Curitiba. Já havia visto propaganda dela algumas vezes, mas nos locais
destinados à ela todas as vezes regia um vazio desolador. Enfim, desta vez foi
diferente, e como não podia deixar de ser, eu mesmo cuidei para que as Saisons
sumissem dali, levando as duas últimas garrafas.
A cerveja em si é bastante interessante. Fiz
questão de não ler nada a respeito antes de beber para não ser influenciado,
dado minha falta de conhecimento a respeito do produto em si. Só o que eu sabia
era o que o rótulo dizia (e nem sequer li os ingredientes), de que continha
frutas vermelhas e pimenta rosa. Isso por si só promete muito, mas também
lembra de muitas cervejas bem enjoativas quando doces demais.
Mas encarei o copo sem medo, disposto a me
surpreender com o que haveria de vir. Derramando a cerveja no ilustre vasilhame, me
surpreendi com sua coloração, uma vez que esperava algo ao menos levemente
avermelhado. A cor acabou por mostrar-se de um dourado já quase pro laranja
claro, bastante turva. A formação de espuma é intensa, e o corpo todo é repleto
de fontes de bolhas. Mesmo assim, a retenção é curta, fazendo a espuma
desaparecer dentro de pouquíssimo tempo.
O aroma é muito refrescante, frutado acima de
tudo e com grande predominância de laranja, e com certa sutileza, por entre todo
esse assalto olfativo de laranja, umas pitadas de aroma de malte também acabam por se fazer presente.
Assim que invade a boca, a cerveja se mostra
instantaneamente muito carbonetada. Não é à toa que essa característica é
sempre mencionada quando de textos acerca desse estilo. A carbonetação é fortíssima,
tirando o foco de qualquer outra percepção que se possa ter. Ela lembra a sensação de se beber um refrigerante, levando até a uma espécie de
sensação de dormência acima da língua. Apenas alguns segundos mais tarde,
quando a língua se acostuma um pouco, e a sensação de fogos de artifício
estourando por toda a boca diminui, é que se pode perceber os demais pontos. O
corpo da bebida é relativamente denso, levemente viscoso, normal para uma
cerveja tão doce. A adstringência, assim como a carbonetação é muito forte,
permanecendo igualmente no retrogosto. O sabor como um todo é bastante
adocicado, frutado com predominância de laranja e notas de damasco, bem como
pitadas de lúpulo – mas apenas em termos de aroma, nada de amargor. O mouthfeel
como um todo é complexo, absolutamente envolvente, deixando um doce em toda a
boca.
O retrogosto, por fim, é bastante demorado, com
grande adstringência, como já mencionado. Gostei da cerveja, por ser diferente e nem sempre estar disponível. Acompanha perfeitamente sobremesas com frutas vermelhas. Eu mesmo aproveitei a segunda garrafa comendo sorvete de amoras e morando; ficou muito bom. Entretanto, certamente não é a melhor Saison que podemos encontrar por aqui, e a causa disso se chama Bodebrown....
Saison Apricot Bodebrown
Poucos dias após ter experimentado a Eisenbahn
Saison, por coincidência fui ao ilustre Clube do Malte, aqui em Curitiba, e já
de cara me deparei com outra Saison, dessa vez o Chopp Saison Apricot, da Bodebrown,
igualmente da cidade. Obviamente nem titubeei, e antes mesmo de conferir todas
as opções fui logo pedindo um exemplar para mim. A cerveja veio com os dois pés
no peito, por assim dizer. Já de cara, na primeira fungada, bateu uma dó da Eisenbahn.
Se aquela trazia notas de damasco e laranja, essa era uma salada de frutas
completa.
A formação de espuma é excelente, com bolhas
fininhas e uniformes. A retenção é média, talvez não tão extensa como a formação
prometia, mas razoável, nada para se reclamar. Assim também o lacing é
adequado, deixando uma renda por toda a extensão das paredes do copo, e esse
sim com uma retenção infinita. A coloração da cerveja é de um dourado muito
bonito, quase já um alaranjado; mas nada de turvo, antes clara e transparente.
O aroma de damasco e de cascas de laranja, bem
como notas de pêssego, é muito intenso, sobrepondo-se a todos os demais aromas
possíveis. No sabor persistem os mesmos componentes, com pitadas de lúpulo
aparecendo aqui e ali, e o malte dando as caras com um doce muito agradável. A carbonetação
é normal, não tão exagerada como a da Eisenbahn. Também a Bodebrown não é
excessivamente doce, de modo a não deixar aquela espécie de camada doce na boca
após beber. Com a Eisenbahn tive a real impressão de ter ficado um doce
excessivo na boca, como após encher a boca de doce de leite por exemplo. A
Bodebrown é um pouco mais equilibrada. A adstringência é baixa, mas
perceptível. Para finalizar, o retrogosto é seco e relativamente curto.
Como um todo, apesar de ter gostado muito da
Eisenbahn, se tiver que escolher fico com certeza com a Bodebrown.
Enfim, a tal da Saison foi uma grata surpresa; pena não existir o ano todo!
Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein
Wilhelm Stein
Referências
Garrett Oliver - The Oxford Companion to Beer
Wikipedia.de
Fotos
bestofbrussels.wordpress.com
brasserie-dupont.com
bazipdx.com
beervana.blogspot.com
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