domingo, 29 de março de 2015

Saison Beer / Eisenbahn Saison / Saison Apricot Bodebrown

Saison Beer - bestofbrussels.wordpress.com
A cerveja Saison é essencialmente uma Pale Ale com teor alcoólico aproximado de 7%, altíssima carbonetação, com aroma e sabores frutados e condimentados. A cerveja mestre em termos de Saison atualmente é a Saison Dupont Vieille Provision.

Esse tipo de cerveja costumava ser feito nos meses mais frios e com menor atividade nas fazendas de antigamente (como todos os outros estilos, conforme já descrito em outros posts), e então reservada para consumo ao longo do verão. A sua origem situa-se na região da Walônia, mais precisamente na província de Hainaut, na parte francesa da Bélgica. A cerveja era feita, como mencionado, nos meses mais frios, do final do outono ao início da primavera, uma vez porque a refrigeração era precária ou inexistente, e a fermentação podia então ser melhor controlada quando do frio ambiente, outra para manter ocupados os servos fixos das fazendas da época, já que o trabalho nos campos cheios de neve era quase inexistente e por fim ainda para gerar bagaço, o qual podia ser incorporado à ração dos animais durante os meses frios. Em seguida, a cerveja era consumida ao longo dos meses mais quentes, quando os fazendeiros também contratavam os trabalhadores temporários –„les saisonniers“-, que tinham direito a até cinco litros de cerveja por dia trabalhado. Essas cervejas tinham um teor alcoólico menor que as Saisons atuais, variando de 3% a 3,5%. 


Contudo, ninguém pode ao certo afirmar como era o gosto das Saisons daquela época, apenas é possível afirmar que deviam ser bastante diferentes das atuais. O quão diferente é difícil de dizer. Como diz Garrett Oliver, não é possível dizer ao certo também, uma vez que essa cerveja era feita por fazendeiros, e não mestres cervejeiros, além disso, ela era feita apenas para consumo próprio, e não era vendida nas cidades, de modo que é de se assumir que o controle de qualidade não gozava de tanto prestígio quando de sua fabricação como é hoje.

Também é de se assumir, que a repetibilidade dessas cervejas era baixa. Os fazendeiros provavelmente variavam em muito os ingredientes e as quantidades de ingredientes inseridos a cada nova produção, dependendo do rendimento da safra das próprias fazendas. Além disso, as cervejas eram feitas com os mais variados grãos, podendo muito bem variar entre cevada, trigo, centeio e outros. Da mesma forma no que tange o lúpulo, sendo muito provável que o gruit ou outras ervas fossem largamente utilizados.
Saison Dupont - brasserie-dupont.com


Dessa forma, fica fácil ver que nos primórdios não havia sequer semelhanças suficientes para classificar essas cervejas como um estilo próprio. Foi apenas muito mais tarde que se teve a ideia de aglomerar essas cervejas de características parecidas, essas Ales refrescantes, em um estilo único. Assim, as Saison, juntamente com suas colegas francesas Bière de Garde, compõe as duas mais famosas representantes do estilo atualmente conhecido como Farmhouse Ale. Ainda assim, por mais que pertençam à mesma família, as cervejas variam entre si, sendo a Saison mais seca e com o lúpulo desempenhando um certo papel, ao passo que a Bière de Garde é mais encorpada e maltada.

As Saisons fermentam a variadas temperaturas, dependendo da levedura utilizada, variando entre cerca de 29° a 35°C (!!!), até os mais convencionais 18° a 24°C. Como um todo, assim como na maior parte das cervejas, o tipo de malte (bem como a forma como esse foi trabalhado) determina a coloração da cerveja. Desta forma, como geralmente opta-se por maltes claros, a cerveja tende a ter uma coloração clara, de um dourado até alaranjado, ainda que muito turva; entretanto, há também Saisons que fazem uso de maltes torrados, podendo adquirir uma coloração âmbar. O uso de malte de trigo e centeio também não é incomum. Da mesma forma, é comum o uso de raspas de cascas de laranja, gengibre e corriander. Além da adição dessas especiarias, a produção de ésteres é normal, dado a fermentação a altas temperaturas. Esses ésteres se fazem presente no aroma da cerveja posteriormente.

Enfim, é muito difícil agrupar as Saison sob um denominador comum. Quase todas as características da cerveja podem variar muito de um exemplar para o outro. A coloração e a temperatura de fermentação, mas também o corpo, a sensação, a doçura ou amargor podem ser até mesmo contraditórios, impedindo que qualquer um obtenha êxito completo tentando classificar esse estilo de cerveja. Parece mais um punhado de cervejas meramente semelhantes, aquelas que haviam sido agrupadas sob “outras”, e que, por dividirem uma história em comum, receberam uma classificação, just for the records, mas que ninguém realmente resolveu à fundo.
bazipdx.com

Quanto às Saisons modernas, pode-se arriscar um pouco, não sendo nenhum pecado afirmar que esses exemplares têm em comum sua alta carbonetação, sua consistência seca, de sabor e aroma frutado e com álcool variando de 5% a 8% abv. O amargor tende a permanecer entre 20 e 40 IBU, e eventualmente refermentados na garrafa.

Ainda que o estilo de cerveja Saison seja considerado um estilo com alto risco de extinção, a própria Saison Dupont foi considerada „The Best Beer in the World“ pelo Men’s Journal em 2005 (para os que me conhecem, sabem que odeio esse tipo de título ou ranking, mas nesse caso é válido para a divulgação do estilo e luta pela tradição, certo?).

Brasserie Dupont - beervana.blogspot.com

Da mesma forma, há outras cervejarias na Bélgica que seguem produzindo Saisons, muitas delas aproveitando carona no sucesso da Dupont; outras são até mesmo mais velhas que ela, como é o caso da Brouwerij Kerkom e sua Bink Blonde. Entre as cervejarias que produzem Saison em escala média ou grande na Bélgica estão, por exemplo:

  • Saison Pipaix, Brasserie Vapeur
  • Saison 1900, Brasserie Lefebvre
  • Várias Saisons “sasonais” da Brasserie Fantome
  • Saison 2000, Brasserie Ellezelloise
  • Saison Voisin, Brasserie de Geants
  • Saison Epeautre, Brasserie Blaugies


Ainda segundo Oliver, é possível que em algum tempo a Saison passe a não ser mais uma cerveja intimamente linkada à Bélgica, mas cada vez mais aos Estados Unidos, país que detém atualmente a maior produção dessa cerveja e o maior número de cervejarias que a produz. Em grande parte, isso se deve à liberdade oferecida pelo estilo, que como descrito, varia em toda e qualquer característica e método de fabricação, sendo um prato cheio para quem gosta de experimentar e arriscar na produção. Veremos se a profecia do mestre cervejeiro estadunidense se confirmará.

Eisenbahn Saison

Bom, mas falando de terras tupiniquins, esses dias tive a alegria de encontrar a Saison da Eisenbahn num mercado aqui em Curitiba. Já havia visto propaganda dela algumas vezes, mas nos locais destinados à ela todas as vezes regia um vazio desolador. Enfim, desta vez foi diferente, e como não podia deixar de ser, eu mesmo cuidei para que as Saisons sumissem dali, levando as duas últimas garrafas.

A cerveja em si é bastante interessante. Fiz questão de não ler nada a respeito antes de beber para não ser influenciado, dado minha falta de conhecimento a respeito do produto em si. Só o que eu sabia era o que o rótulo dizia (e nem sequer li os ingredientes), de que continha frutas vermelhas e pimenta rosa. Isso por si só promete muito, mas também lembra de muitas cervejas bem enjoativas quando doces demais.

Mas encarei o copo sem medo, disposto a me surpreender com o que haveria de vir. Derramando a cerveja no ilustre vasilhame, me surpreendi com sua coloração, uma vez que esperava algo ao menos levemente avermelhado. A cor acabou por mostrar-se de um dourado já quase pro laranja claro, bastante turva. A formação de espuma é intensa, e o corpo todo é repleto de fontes de bolhas. Mesmo assim, a retenção é curta, fazendo a espuma desaparecer dentro de pouquíssimo tempo.

O aroma é muito refrescante, frutado acima de tudo e com grande predominância de laranja, e com certa sutileza, por entre todo esse assalto olfativo de laranja, umas pitadas de aroma de malte também acabam por se fazer presente.

Assim que invade a boca, a cerveja se mostra instantaneamente muito carbonetada. Não é à toa que essa característica é sempre mencionada quando de textos acerca desse estilo. A carbonetação é fortíssima, tirando o foco de qualquer outra percepção que se possa ter. Ela lembra a sensação de se beber um refrigerante, levando até a uma espécie de sensação de dormência acima da língua. Apenas alguns segundos mais tarde, quando a língua se acostuma um pouco, e a sensação de fogos de artifício estourando por toda a boca diminui, é que se pode perceber os demais pontos. O corpo da bebida é relativamente denso, levemente viscoso, normal para uma cerveja tão doce. A adstringência, assim como a carbonetação é muito forte, permanecendo igualmente no retrogosto. O sabor como um todo é bastante adocicado, frutado com predominância de laranja e notas de damasco, bem como pitadas de lúpulo – mas apenas em termos de aroma, nada de amargor. O mouthfeel como um todo é complexo, absolutamente envolvente, deixando um doce em toda a boca.

O retrogosto, por fim, é bastante demorado, com grande adstringência, como já mencionado. Gostei da cerveja, por ser diferente e nem sempre estar disponível. Acompanha perfeitamente sobremesas com frutas vermelhas. Eu mesmo aproveitei a segunda garrafa comendo sorvete de amoras e morando; ficou muito bom. Entretanto, certamente não é a melhor Saison que podemos encontrar por aqui, e a causa disso se chama Bodebrown....

Saison Apricot Bodebrown

Poucos dias após ter experimentado a Eisenbahn Saison, por coincidência fui ao ilustre Clube do Malte, aqui em Curitiba, e já de cara me deparei com outra Saison, dessa vez o Chopp Saison Apricot, da Bodebrown, igualmente da cidade. Obviamente nem titubeei, e antes mesmo de conferir todas as opções fui logo pedindo um exemplar para mim. A cerveja veio com os dois pés no peito, por assim dizer. Já de cara, na primeira fungada, bateu uma dó da Eisenbahn. Se aquela trazia notas de damasco e laranja, essa era uma salada de frutas completa.

A formação de espuma é excelente, com bolhas fininhas e uniformes. A retenção é média, talvez não tão extensa como a formação prometia, mas razoável, nada para se reclamar. Assim também o lacing é adequado, deixando uma renda por toda a extensão das paredes do copo, e esse sim com uma retenção infinita. A coloração da cerveja é de um dourado muito bonito, quase já um alaranjado; mas nada de turvo, antes clara e transparente.

O aroma de damasco e de cascas de laranja, bem como notas de pêssego, é muito intenso, sobrepondo-se a todos os demais aromas possíveis. No sabor persistem os mesmos componentes, com pitadas de lúpulo aparecendo aqui e ali, e o malte dando as caras com um doce muito agradável. A carbonetação é normal, não tão exagerada como a da Eisenbahn. Também a Bodebrown não é excessivamente doce, de modo a não deixar aquela espécie de camada doce na boca após beber. Com a Eisenbahn tive a real impressão de ter ficado um doce excessivo na boca, como após encher a boca de doce de leite por exemplo. A Bodebrown é um pouco mais equilibrada. A adstringência é baixa, mas perceptível. Para finalizar, o retrogosto é seco e relativamente curto.

Como um todo, apesar de ter gostado muito da Eisenbahn, se tiver que escolher fico com certeza com a Bodebrown. 

Enfim, a tal da Saison foi uma grata surpresa; pena não existir o ano todo!

Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein

Referências
Garrett Oliver - The Oxford Companion to Beer
Wikipedia.de

Fotos
bestofbrussels.wordpress.com
brasserie-dupont.com
bazipdx.com
beervana.blogspot.com




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