terça-feira, 28 de maio de 2013

Colarinho.

Confrades, confridas, amigos,

a espuma. O colarinho; objeto de discussões mil.
Há quem goste, há quem queira seu Chopp, pasme, sem colarinho. Pois é, semana passada vi no cardápio de um bar aquilo em que não pude acreditar: a opção de se receber o Chopp à mesa com ou sem colarinho. Aí o camarada vai dizer: "Calma, vai ver era uma Ale ortodoxamente inglesa", claro, nesse caso uma bolha que for, há quem diga, já seria motivo suficiente para demissão por justa causa do pobre barman. Questões trabalhistas de lado, vale dizer que não, era Pilsen mesmo, aquela tradicional. Agora, sem colarinho?


Não pude deixar isso passar em branco; vi-me logo obrigado a recolher informações e um embasamento teórico capaz de provar que meu (nosso, suponho) amor pelo bem formado colarinho cremoso não é em vão. Não que eu vá retornar ao bar e pregar teses em sua porta, mas a título de informação, creio que uma lida seja válida.
O sempre presente colarinho
O colarinho, ou a espuma, que coroam grande parte dos copos recém-enchidos (as exceções ficam por conta de poucos estilos, como as Ales ortodoxamente inglesas), está entre as características mais sedutoras da cerveja. É também o que distingue largamente a cerveja de outras bebidas dotadas de espuma (bebidas espumantes, se assim o preferir), além de ser de importância fundamental no paladar (mouthfeel) de muitas cervejas. Quando degustamos uma cerveja, certa quantidade de espuma é igualmente ingerida, provendo uma textura mais complexa e suave. A espuma é também responsável por manter o frescor da cerveja, além de reter uma quantidade apreciável dos olhos oriundos do lúpulo, de preservar as sensações gustativas, o paladar e a cremosidade.
Até mesmo Angela Merkel verifica a consistência do colarinho
 As características da espuma são determinadas por vários fatores dentre eles o teor de proteínas, a sua temperatura, a viscosidade da cerveja, pela pressão no processo de fermentação, pelo seu acondicionamento/ armazenamento e claro, pela forma do copo no qual a cerveja é servido. É claro que os mestres cervejeiros sabem bem disso, e é por isso que a formação e a retenção de espuma são pontos fundamentais no julgamento da qualidade de cervejas (desde que o colarinho seja de fato desejado).
A cerveja é, entre outras coisas, uma solução supersaturada de dióxido de carbono (CO2), e não irá espumar enquanto não for ‘encorajada’ a isso, por exemplo, por partículas nucleantes, agitação etc. Quanto mais CO2 presente, maior será a formação de espuma, claro. O gás se encontra confinado em cada mililitro de cerveja dissolvido sob alta pressão. Uma vez que a garrafa é aberta, ou que um dos outros fatores ocorra, o gás se expande, ocupando um espaço bem maior, formando assim a espuma. Ao emergir para a superfície, o gás aglutina moléculas de proteína e produz uma superfície elástica que cobre as bolhas; o acumulo dessas bolhas forma o colarinho. As moléculas de CO2, quando se desprendem da bebida, ou seja, quando se dispersam no ar, levam consigo os aromas da cerveja.

A espuma é por natureza um fenômeno instável, entretanto, a espuma da cerveja é mais estável do que aquela da maior parte de outras bebidas dotadas de CO2, uma vez que há nela agentes que atuam auxiliando a tensão de superfície (própria da água). O principal fenômeno que leva ao colapso das bolhas formadoras de espuma é a diferença no tamanho das bolhas. O gás passa rapidamente de bolhas menores para bolhas maiores, reduzindo a quantidade e aumentando o tamanho das bolhas restantes. Quanto mais baixa a temperatura, mais estável será o colarinho; e mais importante, é preciso que se forme um colarinho que possua bolhas de tamanho uniforme, com desvios mínimos, pois quanto menores forem as bolhas, mais devagar a cerveja de soltará da espuma, de modo que essa possa desempenhar o seu papel de conservação durante um maior tempo.


As principais partículas estabilizadoras na cerveja são polipeptídios hidrofóbicos oriundos de cereais. Essa moléculas se ligam aos alfa-ácidos do lúpulo de modo a tornar a espuma não apenas mais forte, mas também mais propícia a se ligar às paredes do copo (Cling e Lacing). O uso de lúpulo sem muito preparo, ideal para fornecer proteção contra a luz à cerveja, é igualmente um ótimo artifício de retenção de espuma; contudo a espuma terá uma forma mais grossa, irregular e menos atraente.

Outros materiais que podem promover uma melhor retenção incluem os metais. O Zinco se destaca dentre os metais, dado o fato dele não promover a oxidação, problema natural do ferro. Compostos pertencentes à família das Melanoidinas também possuem alguma capacidade de promover a retenção, o que significa dizer que teoricamente cervejas escuras tendem a reter de melhor forma a sua espuma. Há cervejarias que adicionam estabilizadores “artificiais”, tais como PGA (Propylene Glycol Alginate), e outros que adicionam gás nitrogênio o que, entretanto, pode conferir também notas de lúpulo mais acentuadas que o normal; essa é a razão da bela retenção de cervejas como a Guiness, e outras Stouts.
O tradicional colarinho cremoso e
denso da Guiness
A causa mais comum de uma má formação de espuma é a presença de partículas intrusas, principalmente lipídeos, que podem ter entrado na cerveja durante a sua produção, ou posteriormente, resultado de uma má conservação/limpeza dos copos: ou seja, restos de comida. Além disso, a presença de detergentes (partículas) no copo inibe igualmente uma boa formação.
O próprio álcool é “nocivo” ao colarinho, de modo que cervejas mais fortes tendem, teoricamente, a ter uma formação reduzida de espuma. Por último, um fator que tende a destruir o colarinho são as enzimas proteolíticas, por isso cervejas que passaram por processo de pasteurização são mais suscetíveis a reterem a espuma por mais tempo, uma vez que o processo destrói esse tipo de enzimas.
Colarinhos mais largos naturalmente tendem a durar mais tempo. A retenção do colarinho pode ser medida de diversas formas. Esses métodos incluem aqueles que medem a velocidade com que a cerveja escoa pela espuma (Ross & Clark, Rudin) e aqueles que medem a velocidade com que o colarinho em si desaparece.

Ainda que a maior parte dos consumidores espere ver ao menos alguns poucos centímetros, ou que sejam milímetros de colarinho em sua cerveja, há grandes diferenças culturais. No sul do Reino Unido, preferem receber a sua Ale preenchendo o pint até a borda; ilhas de espuma, beeeem rasas, são até aceitáveis, mas nada além disso. Ao norte, por outro lado, a espuma goza de maior popularidade, fato pelo qual são até mesmo instalados “sparklers” no bocal das torneiras, com o intuito de produzir espuma além do normal. O sparkler faz com que a cerveja jorre de forma mais violenta contra o copo, formando um colarinho mais acentuado, ainda que a cerveja não seja tão carbonetada.
Na Alemanha todo copo de cerveja tem que obrigatoriamente possuir uma marca para sinalizar o nível de cerveja, e a partir dessa marca, até o topo (ou além) é alocada a espuma. Na Inglaterra, a observância dessa linha também é obrigatória; a linha recebe o nome de Plimsoll Line.

Veja também o Post sobre Lacing/Cling.

Referências:

The Oxford Companion to Beer - Garrett Oliver

Let Me Tell You About Beer - Melissa Cole
Larousse da Cerveja - Ronaldo Morado

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