Senhores,
após ter
tido o imenso prazer de degustar uma excelente Roggen neste último final de
semana (no Hop´n´Roll, Curitiba), surgiu a ideia de pesquisar um pouco mais sobre esse tão esquecido e mesmo pouco conhecido tipo
de cerveja. É uma cerveja sensacional, aínda que difícil de ser encontrada, como vocês podem ler
no post; entretanto, se um dia você tiver a chance e avistar esse raro espécime,
sugiro que o apanhe sem titubear!
A Roggen da Thurn und Taxis. (Foto: Thurn und Taxis) |
Dentre as cervejarias que mais contribuíram e contribuem com
a produção da cerveja e conservação da história da Roggenbier está a cervejaria
Spezial (Schielring, perto de Regensburg); sua cerveja era originalmente
chamada de Schierlinger Roggen. Em 1988 a cervejaria foi comprada pela
Furstliches Spezialitaten-Brauhaus Thurn und Taxis (Regensburg), por sua vez
incorporada pela Paulaner em 1997. A Paulaner continua a produzir uma
Roggenbier, e a própria Spezial, mantida pela Kuchlbauer (Adensberg), mantém
igualmente uma Roggenbier como cerveja de prateleira. A cerveja da Thurn, com
sua bela coloração avermelhada e seu copo característico pode ser vista ao
lado. Além dessas duas grandes cervejarias, há um pequeno numero de cervejarias
alemãs que continuam ou voltaram a produzir algum tipo de Roggenbier.
História
Durante séculos a cerveja era produzida a partir dos mais diferentes grãos, variando basicamente de qual o grão
mais encontrado/cultivado em determinada região. Isso quer dizer que, principalmente na
Alemanha e no norte da Europa, historicamente um grão bastante
apreciado quando o assunto era fermentar cervejas, era o centeio (Secale cereale).
A produção da cerveja de centeio, entretanto, entrou em declínio por
volta do século XVI, quando os governantes da época decidiram que certos grãos,
entre eles o centeio e o trigo, deveriam ser reservados para a produção de pão
'sólido' e não 'líquido', aka cerveja. Especialmente em anos com pouca
colheita, os senhores da época imaginaram que o povo poderia preferir beber cerveja e
eventualmente morrer de fome, a produzir pão e se abster de cerveja. Esse, não
por último, foi um dos motivos por trás da hoje tão festejada lei de pureza
alemã, Reinheitsgebot, de 1516, a qual determinava que apenas malte de cevada poderia
ser utilizado na fermentação de cerveja. A cevada foi escolhida não apenas por
ser mais adequada e de fácil manuseio, mas também por ser considerada nociva
quando de seu aproveitamento para a produção de pão.
Dessa forma, no sistema
social feudal, o centeio passou a ser destinado à produção de pão e a cevada à
produção de cerveja para os servos; enquanto o trigo (então artigo de luxo) era destinado
tanto a produção de cerveja quanto de pão exclusivamente para a nobreza.
O Centeio
Centeio, Roggen |
O centeio, assim como o trigo, é semeado no outono para ser
colhido no verão seguinte. Entretanto, ele não é tão sensível quanto o trigo,
de modo que mesmo em solos menos ricos, é capaz de render quantidades razoáveis;
contudo, é claro que o centeio de alta qualidade depende igualmente de terrenos
mais avantajados para crescer. Exatamente por ser menos sensível e de mais
fácil adaptação, coube ao centeio a tarefa de se dar bem com todos os povos europeus,
desde a costa do atlântico até os montes Urais na Rússia, passando pelos verões
chuvosos da Europa central. O centeio tem sido plantado com sucesso em vários
países da região, principalmente República Tcheca, Áustria, Alemanha, Polônia e
Eslováquia.
Contudo, como em região alguma a produção de centeio visa primeiramente a
produção de cerveja, houve historicamente pouca evolução e desenvolvimento de
novas linhagens. Além disso, as propriedades de maltagem do centeio são até
certo ponto imprevisíveis, especialmente suas proporções de proteínas (variam
entre 9 e 13%) e óleos, variando grandemente conforme o solo e as condições
climáticas.
O uso do centeio na produção de cerveja
O centeio é de difícil trabalho, uma vez que o grão é desprovido de uma casca capaz de evitar a rápida absorção da água
contida no mosto; ainda por cima, a falta dessa casca facilita a liberação de
alguns compostos que dão ao mosto uma consistência elástica e pegajosa. Esse é
um dos fatores que praticamente impossibilita a produção de uma cerveja cujo
único malte seja o malte de centeio, devido à dificuldade que se teria em
escorrer o liquido ao longo da produção. O lado bom disso é que esses fatores
proporcionam uma alta viscosidade da cerveja, resultando num corpo bastante
denso, e um mouthfeel bastante encorpado.
Cor característica proveniente do uso de centeio. (Foto: http://hobbybrauer.de) |
Evidentemente, os contras do centeio levaram a uma relação bastante conturbada
entre o grão e o mestre cervejeiro, de modo a espantar o centeio das cervejarias, restando poucas cervejarias que
continuam a produzir Roggenbier na Alemanha. Ainda assim, há de ser dito que,
com o crescente apreço por produtos orgânicos e o desenvolvimento de novas
técnicas, o número de cervejarias que buscam uma conciliação com o centeio tem crescido.
Há poucos tipos de cerveja que não fogem do centeio como
ingrediente maltado principal ou mesmo único. Um deles é o Kvass, da Rússia,
uma cerveja não lupulada, com baixo teor alcoólico, entre 0.5 e 1.5% abv, muitas
vezes condimentado com frutas vermelhas e menta. Outro estilo é o sahti, da Finlândia,
fermentado com mais centeio e menos cevada, e produzido atualmente na região norte do país.
A cerveja
A Roggenbier conta com aproximadamente 5,5 a 6% de álcool
por volume e uma coloração vermelha bastante escura (entre 15 e 50), sendo que
várias marcas optam pelas versões não filtradas, mais precisamente, Naturtrüb
(o que é mais condizente com a tradição, uma vez que, como descrito, esse
estilo já era popular muito antes do advento da filtragem, em 1878). Quando em estado não filtrado, a cerveja apresenta uma aparência turva similar a uma Weizen (além do malte de trigo, é utilizado com frequência o mesmo levedo que aquele próprio para fermentação de Weizenbier).
O malte de centeio divide espaço com malte de trigo, e é responsável por boa parte do sabor resultante, uma vez que a Roggenbier é apenas levemente lupulada. Em sua degustação apresenta notas de pão de centeio (obviamente), um início levemente frutado, e um final lembrando defumado, bastante aromatizado, levemente azedo (ainda que a Roggen da Thurn consiga tender mais para o doce) e bastante seco. A efervescência varia de moderada até forte, como no caso de uma Weizen.
O malte de centeio divide espaço com malte de trigo, e é responsável por boa parte do sabor resultante, uma vez que a Roggenbier é apenas levemente lupulada. Em sua degustação apresenta notas de pão de centeio (obviamente), um início levemente frutado, e um final lembrando defumado, bastante aromatizado, levemente azedo (ainda que a Roggen da Thurn consiga tender mais para o doce) e bastante seco. A efervescência varia de moderada até forte, como no caso de uma Weizen.
Como dito, a Roggenbier é uma cerveja de alta fermentação, ao menos
aquela produzida na Alemanha. Isso vem do fato de o mesmo Reinheitsgebot não
permitir que cervejas feitas a partir de outro grão que não a cevada sejam
produzidas utilizando-se a baixa fermentação. Também contribui para isso o fato
de o caráter do mosto oriundo do centeio se assemelhar muito àquele do trigo,
motivo pelo qual há um consenso de que as receitas a serem utilizadas (inclusive
o levedo) devem ser as mesmas ou ao menos semelhantes.
Copo da Paulaner próprio para Roggen. (Foto: German Beer Institute) |
De fato, o levedo utilizado para a alta fermentação
proporciona aromas mais frutados e intensos (veja o post sobre levedo), que
combinam muito bem com as características do centeio, que por si só já
apresenta um sabor propriamente de grãos (assim como o trigo), mas um pouco azedo,
e o uso moderado de lúpulo.
Para o consumo de Roggenbier não há “regras” tradicionalmente
estabelecidas; o que há é um costume mais recente, difundido em grande parte pelas
poucas cervejarias ainda produtoras dessa cerveja, segundo o qual o consumo se
dá através de copos altos (semelhantes ou mesmo iguais aos de Weizenbier), e
uma temperatura de serviço igualmente semelhante, não muito fria.
Por fim, a Roggenbier é uma cerveja muito refrescante, sendo uma ótima alternativa à Hefeweizen, e muito bem harmonizada com carnes temperadas.
Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein
Wilhelm Stein
Referencias
- German Beer Institute
- The Oxford Companion to Beer - Garrett Oliver
- Blog Besser Brauen
vamos dividir uma na próxima?
ResponderExcluirVenha experimentar a mais nova da Família Don Gentilis. Uma legítima Roggenbier. Don Gentilis Roggenbier, exclusiva!
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