domingo, 9 de junho de 2013

Roggenbier

Senhores,


após ter tido o imenso prazer de degustar uma excelente Roggen neste último final de semana (no Hop´n´Roll, Curitiba), surgiu a ideia de pesquisar um pouco mais sobre esse tão esquecido e mesmo pouco conhecido tipo de cerveja. É uma cerveja sensacional, aínda que difícil de ser encontrada, como vocês podem ler no post; entretanto, se um dia você tiver a chance e avistar esse raro espécime, sugiro que o apanhe sem titubear!

A Roggen da Thurn und Taxis.
(Foto: Thurn und Taxis)
Roggenbier, ou Rye Ale, é uma cerveja de alta fermentação (tradicionalmente, mas não exclusivamente), produzida há séculos principalmente na região da Bavária (Sul da Alemanha), e feita a partir de malte de centeio (Roggen), numa proporção mínima de 30%.

Dentre as cervejarias que mais contribuíram e contribuem com a produção da cerveja e conservação da história da Roggenbier está a cervejaria Spezial (Schielring, perto de Regensburg); sua cerveja era originalmente chamada de Schierlinger Roggen. Em 1988 a cervejaria foi comprada pela Furstliches Spezialitaten-Brauhaus Thurn und Taxis (Regensburg), por sua vez incorporada pela Paulaner em 1997. A Paulaner continua a produzir uma Roggenbier, e a própria Spezial, mantida pela Kuchlbauer (Adensberg), mantém igualmente uma Roggenbier como cerveja de prateleira. A cerveja da Thurn, com sua bela coloração avermelhada e seu copo característico pode ser vista ao lado. Além dessas duas grandes cervejarias, há um pequeno numero de cervejarias alemãs que continuam ou voltaram a produzir algum tipo de Roggenbier.




História

Durante séculos a cerveja era produzida a partir dos mais diferentes grãos, variando basicamente de qual o grão mais encontrado/cultivado em determinada região.  Isso quer dizer que, principalmente na Alemanha e no norte da Europa, historicamente um grão bastante apreciado quando o assunto era fermentar cervejas, era o centeio (Secale cereale).

A produção da cerveja de centeio, entretanto, entrou em declínio por volta do século XVI, quando os governantes da época decidiram que certos grãos, entre eles o centeio e o trigo, deveriam ser reservados para a produção de pão 'sólido' e não 'líquido', aka cerveja. Especialmente em anos com pouca colheita, os senhores da época imaginaram que o povo poderia preferir beber cerveja e eventualmente morrer de fome, a produzir pão e se abster de cerveja. Esse, não por último, foi um dos motivos por trás da hoje tão festejada lei de pureza alemã, Reinheitsgebot, de 1516, a qual determinava que apenas malte de cevada poderia ser utilizado na fermentação de cerveja. A cevada foi escolhida não apenas por ser mais adequada e de fácil manuseio, mas também por ser considerada nociva quando de seu aproveitamento para a produção de pão. 

Dessa forma, no sistema social feudal, o centeio passou a ser destinado à produção de pão e a cevada à produção de cerveja para os servos; enquanto o trigo (então artigo de luxo) era destinado tanto a produção de cerveja quanto de pão exclusivamente para a nobreza.

O Centeio

Centeio, Roggen
O centeio, assim como o trigo, é semeado no outono para ser colhido no verão seguinte. Entretanto, ele não é tão sensível quanto o trigo, de modo que mesmo em solos menos ricos, é capaz de render quantidades razoáveis; contudo, é claro que o centeio de alta qualidade depende igualmente de terrenos mais avantajados para crescer. Exatamente por ser menos sensível e de mais fácil adaptação, coube ao centeio a tarefa de se dar bem com todos os povos europeus, desde a costa do atlântico até os montes Urais na Rússia, passando pelos verões chuvosos da Europa central. O centeio tem sido plantado com sucesso em vários países da região, principalmente República Tcheca, Áustria, Alemanha, Polônia e Eslováquia.
Contudo, como em região alguma a produção de centeio visa primeiramente a produção de cerveja, houve historicamente pouca evolução e desenvolvimento de novas linhagens. Além disso, as propriedades de maltagem do centeio são até certo ponto imprevisíveis, especialmente suas proporções de proteínas (variam entre 9 e 13%) e óleos, variando grandemente conforme o solo e as condições climáticas.

O uso do centeio na produção de cerveja

O centeio é de difícil trabalho, uma vez que o grão é desprovido de uma casca capaz de evitar a rápida absorção da água contida no mosto; ainda por cima, a falta dessa casca facilita a liberação de alguns compostos que dão ao mosto uma consistência elástica e pegajosa. Esse é um dos fatores que praticamente impossibilita a produção de uma cerveja cujo único malte seja o malte de centeio, devido à dificuldade que se teria em escorrer o liquido ao longo da produção. O lado bom disso é que esses fatores proporcionam uma alta viscosidade da cerveja, resultando num corpo bastante denso, e um mouthfeel bastante encorpado.
 
Cor característica proveniente do uso de centeio.
(Foto: http://hobbybrauer.de)
Evidentemente, os contras do centeio levaram a uma relação bastante conturbada entre o grão e o mestre cervejeiro, de modo a espantar o centeio das cervejarias, restando poucas cervejarias que continuam a produzir Roggenbier na Alemanha. Ainda assim, há de ser dito que, com o crescente apreço por produtos orgânicos e o desenvolvimento de novas técnicas, o número de cervejarias que buscam uma conciliação com o centeio tem crescido.

Há poucos tipos de cerveja que não fogem do centeio como ingrediente maltado principal ou mesmo único. Um deles é o Kvass, da Rússia, uma cerveja não lupulada, com baixo teor alcoólico, entre 0.5 e 1.5% abv, muitas vezes condimentado com frutas vermelhas e menta. Outro estilo é o sahti, da Finlândia, fermentado com mais centeio e menos cevada, e produzido atualmente na região norte do país.

A cerveja

A Roggenbier conta com aproximadamente 5,5 a 6% de álcool por volume e uma coloração vermelha bastante escura (entre 15 e 50), sendo que várias marcas optam pelas versões não filtradas, mais precisamente, Naturtrüb (o que é mais condizente com a tradição, uma vez que, como descrito, esse estilo já era popular muito antes do advento da filtragem, em 1878). Quando em estado não filtrado, a cerveja apresenta uma aparência turva similar a uma Weizen (além do malte de trigo, é utilizado com frequência o mesmo levedo que aquele próprio para fermentação de Weizenbier).

O malte de centeio divide espaço com malte de trigo, e é responsável por boa parte do sabor resultante, uma vez que a Roggenbier é apenas levemente lupulada. Em sua degustação apresenta notas de pão de centeio (obviamente), um início levemente frutado, e um final lembrando defumado, bastante aromatizado, levemente azedo (ainda que a Roggen da Thurn consiga tender mais para o doce) e bastante seco. A efervescência varia de moderada até forte, como no caso de uma Weizen. 

Como dito, a Roggenbier é uma cerveja de alta fermentação, ao menos aquela produzida na Alemanha. Isso vem do fato de o mesmo Reinheitsgebot não permitir que cervejas feitas a partir de outro grão que não a cevada sejam produzidas utilizando-se a baixa fermentação. Também contribui para isso o fato de o caráter do mosto oriundo do centeio se assemelhar muito àquele do trigo, motivo pelo qual há um consenso de que as receitas a serem utilizadas (inclusive o levedo) devem ser as mesmas ou ao menos semelhantes.
Copo da Paulaner próprio para Roggen.
(Foto: German Beer Institute)

De fato, o levedo utilizado para a alta fermentação proporciona aromas mais frutados e intensos (veja o post sobre levedo), que combinam muito bem com as características do centeio, que por si só já apresenta um sabor propriamente de grãos (assim como o trigo), mas um pouco azedo, e o uso moderado de lúpulo.

Para o consumo de Roggenbier não há “regras” tradicionalmente estabelecidas; o que há é um costume mais recente, difundido em grande parte pelas poucas cervejarias ainda produtoras dessa cerveja, segundo o qual o consumo se dá através de copos altos (semelhantes ou mesmo iguais aos de Weizenbier), e uma temperatura de serviço igualmente semelhante, não muito fria.

Por fim, a Roggenbier é uma cerveja muito refrescante, sendo uma ótima alternativa à Hefeweizen, e muito bem harmonizada com carnes temperadas.



Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein

Referencias
  • German Beer Institute
  • The Oxford Companion to Beer - Garrett Oliver
  • Blog Besser Brauen

2 comentários:

  1. Venha experimentar a mais nova da Família Don Gentilis. Uma legítima Roggenbier. Don Gentilis Roggenbier, exclusiva!

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