O
levedo (Saccharomyces, fungo do açúcar) é
um fungo microscópico unicelular, responsável pela fermentação da cerveja, entre
outros alimentos (o pão, o vinho, o queijo e vários tipos de conservas e molhos).
Durante o processo de fermentação, o levedo consome açúcares fermentáveis, como
a maltose, produzindo, em contrapartida, álcool e gás carbônico, além de um
vasto espectro de aromas que intuitivamente associamos à cerveja. A célula de
levedo tem forma redonda ou oval, e se reproduz através de brotamento
multilateral, sendo capaz de sobreviver em altíssimas concentrações de álcool, tanto na presença quanto na ausência de oxigênio. Na presença
de oxigênio, as células tendem a se multiplicar e a crescer, ao invés de
produzirem álcool. Contudo, isso depende do nível de açúcar no líquido estar
abaixo de 0,2 g/L; caso se encontre acima disso, haverá a formação de álcool
independentemente da presença de oxigênio. Durante as primeiras horas de
fermentação, estando em uma situação aeróbica, o levedo irá se multiplicar e
produzir etanol simultaneamente. Assim que o oxigênio se esgotar, os microorganismos passarão a apenas produzir etanol, mas agora em velocidade reduzida. Além desse álcool,
outros produtos são oriundos do processo de fermentação, por parte do levedo, como
ésteres, compostos derivados de enxofre, entre outros. A presença desses
produtos e sua consequente influência na cerveja podem ser controladas,
alterando-se fatores como a aeração, pressão, etc.
“Sem ele (levedo) o vinho seria apenas um suco de uva
e a cerveja uma água de cevada.” (Ronaldo Morado)
Études sur La Bière, de Louis Pasteur |
Até o final do século XIX o processo de fermentação era
atribuído a processos mágicos, com pitadas divinas dependendo da religião de
cada povo. Homens como Leeuwenhoek, Louis Pasteur, Lavoisier e Gay Lussac, foram
determinantes no processo de conhecimento da real ação do levedo. A partir do
conhecimento adquirido, e do desenvolvimento de técnicas de armazenamento e de
reprodução e combinação de colônias de levedo, foi possível um desenvolvimento
igualmente rápido da cerveja, proporcionando a criação de diversos segmentos e
tipos, a introdução de novos aromas e processos de produção.
Embora existam aproximadamente 150 tipos de levedo, a
maioria deles não é apropriada para a fabricação de cerveja. Tradicionalmente a
identificação da espécie de levedo levou em conta sua forma de reprodução e
morfologia; atualmente esses métodos foram substituídos por testes de DNA. Essa
tecnologia proporcionou, além de uma identificação mais precisa, uma detecção apurada
de levedo selvagem, contaminante comum mas extremamente indesejado na maior
parte das cervejarias. Via de regra, na produção de cerveja são usadas as Saccharomyces cerevisiae, e variantes,
dentre elas, carlsbergensis ou uvarum e Saccharomyces pastorianus. A escolha do levedo a ser utilizado decide
basicamente se o produto final será uma ale, uma lager, ou uma wild ale, por
exemplo. Falando em grande escala, existem basicamente dois tipos de levedo utilizados
na indústria cervejeira:
Leveduras
de alta fermentação – utilizadas em processos fermentivos entre 15 e
25°C. Produzem aromas típicos frutados e em alguns casos condimentados. Não
fermentam bem a temperaturas mais baixas.
No caso da alta fermentação, a espécie de levedo mais
apropriada é exatamente a S. cerevisiae, conhecida e utilizada para fermentação
há pelo menos 3.000 anos, ainda que, como mencionado, o processo de fermentação
como um todo fosse um mistério para os povos da época.
Processo de fermentação |
Leveduras de baixa fermentação –
ativas a temperaturas mais baixas, utilizadas na maioria dos casos entre 9 e
15°C, resultando em estilos mais neutros do ponto de vista de aromas de
fermentação, como as Pilsen. Nesse caso é utilizado o Saccharomyces
pastorianus, um híbrido resultante do Saccharomyces cerevisiae e Saccharmoyces
bayanus (esta última utilizada, em alguns casos, na fermentação de vinhos); sua
ação é mais lenta que a ação no caso do levedo de alta fermentação. Esse variante
recebe seu nome em homenagem a Louis Pasteur que, além de inúmeras descobertas,
escreveu a célebre obra Études sur la Bière, que identifica vários erros comuns
no processo de fermentação e explica como solucioná-los. Quanto a esses
procedimentos, há também um consenso entre os historiadores de que a tradição
de se retirar o levedo após o processo de fermentação, no caso da baixa
fermentação, foi desenvolvido no início do século XIV pelos cervejeiros da
cervejaria de Weihenstephan, Alemanha. Entretanto, a verdadeira “revolução” do
levedo de baixa fermentação ocorreu exatamente na região da Bavária (Sul da
Alemanha) há aproximadamente 200 anos. Desde então esse tipo de levedo
literalmente se alastrou ao redor do mundo, tornando-se, de longe, a espécie
mais utilizada na produção de cerveja.
Devido ao fato de ser uma espécie bem “mais nova” do
que o levedo de alta fermentação, ainda não houve um desenvolvimento e um
surgimento de novas espécies tão amplo; resultado disso é que os aromas e o
sabor provenientes de levedo de baixa fermentação tendem a apresentar semelhanças
independentemente da espécie em questão.
"Em
inglês a expressão bottom fermentation
é usada para indicar o processo das leveduras de baixa fermentação, pois sua
deposição ocorre no fundo da cuba. A expressão high fermentation, usada no caso das leveduras de alta fermentação,
refere-se tanto ao fato de requererem uma temperatura maior do que a necessária
para as Lager e agirem mais rápido que elas, quanto ao de permanecerem na superfície
ao final da fermentação, embora esta última característica não esteja presente
em todas as leveduras de alta fermentação.” (Morado)
Dessa divisão entre levedo de alta e de baixa fermentação,
resultam subdivisões de estilos de cerveja:
Ambar Ale |
Cervejas
de fermentação de superfície (Top fermented) – cuja
fermentação ocorre em temperaturas entre15 e 25°C, durante 3 a 5 dias. As
leveduras sobrenadam na cerveja, na maioria dos casos; contudo, com a introdução
de reservatórios de fundo cônico, essa característica tem sido manipulada,
puxando-se o levedo para a ponta do cone após a fermentação, possibilitando o
seu reuso. O teor alcoólico varia de 3 a 5,5% em volume, no caso da Bitter Ale
e até 6 a 10% em volume para as Trappistas.
Contudo, esse tipo de levedo não consome todos os tipos de açúcares presentes,
de modo que é natural que as cervejas por ele fermentadas possuam, de forma
geral, notas mais doces e aromáticas e um corpo mais denso do que aquele
presente em uma tradicional Lager. Durante o processo de fermentação, o levedo
se encontra no topo do reservatório, formando uma grande massa de espuma
sobrenadante; o que não significa dizer que a fermentação está ocorrendo apenas
na superfície.
Exemplos: Porter, Stout, Cervejas de trigo,
Trappistas, Barley Wines, Brown Ale, Pale Ale, Ambar Ale, Blonde.
Cervejas de fermentação de fundo (Bottom
fermented) – cuja fermentação acontece em temperaturas entre 9 e
15°C, e leva aproximadamente 6 dias. O teor alcoólico dessas bebidas varia
entre 4 a 5%, podendo alcançar até 10% no caso de Bocks e Doppelbocks. A baixa
fermentação é utilizada, sobretudo, em estilos menos frutados ou condimentados
(com menos aromas de fermentação), como as Lagers, de coloração dourada, corpo
mais leve e boa formação de espuma. Isso porque a baixa temperatura evita que o
micro-organismo devore de forma muito rápida todo o açúcar presente, inibindo
notas frutadas (naturais no caso da alta fermentação). Após a fermentação, que toma
de 5 a 14 dias, as células de levedo se depositam no fundo do tanque.
Cervejas de fermentação espontânea –
a fermentação acontece de forma espontânea a partir de leveduras e bactérias
presentes no ambiente, mais precisamente, a Brettanomyces genus, que conta com
3 subespécies: claussenii (em
referência ao cientista dinamarquês Claussen), bruxellensis (em referência à capital da Bélgica, conhecida, entre
outras, pela produção de lambics) e lambicus
(cujo nome já diz tudo). As leveduras normalmente se concentram na superfície,
como no caso das Ale. O processo pode demorar alguns meses ou até 2 anos, sendo
conduzido em temperatura ambiente. Além de malte de cevada e/ou de trigo, são acrescidas
muitas vezes frutas como cerejas, framboesa, pêssego ou uvas, conferindo um
vasto espectro em questão de paladar, caso das Fruit Lambic. Seu teor alcoólico
varia de 4 a 6% em volume, e sua acidez é pronunciada. Geralmente, é adicionada
ao mosto (antes da fermentação) uma grande quantidade de lúpulo conservado por
um longo período, de modo que, apesar de ter perdido seu potencial para tornar
a cerveja amarga, ajuda a conservá-la por mais tempo (tendo em vista o longo
tempo de fermentação). Citando Melissa Cole, “Esse tipo de cerveja pode te dar
uma boa ideia de qual era o gosto da cerveja há muitos séculos, antes de ser
produzida em massa em cervejarias, polido pela ciência e da cerveja ser
conservada em reluzentes barris de cobre” (tradução livre).
Cervejas típicas fermentadas a partir do uso de Brettanomyces incluem as Sour Ales e
claro, as Belgian Lambics.
Como mencionado, contudo, na maioria dos casos, levedo
selvagem é indesejável no processo de fermentação, por alterar o tempo e o
processo em si, e por gerar sabor e aromas outros que aqueles buscados. O
levedo selvagem pode ser tanto do tipo Saccharomyces
quanto de não-Saccharomyces. No caso
do levedo selvagem do tipo Saccharmyces,
a espécie S. diastaticus é particularmente
indesejada, uma vez que ela é capaz de fermentar o açúcar (dextrina) deixado
para trás pelo levedo normal, e que é fundamental para a formação do corpo da
cerveja. Entre os tipos prejudiciais de levedo selvagem e que não pertencem à
família Saccharomyces encontramos Pichia, Rhodotorula, Kluyveromyces
e Candida, que tornam a cerveja turva
e criam um filme em sua superfície.
Atualmente são guardadas amostras de
culturas puras de levedo em diversos institutos de pesquisa ao redor do mundo (Weihenstephan
e VLB na Alemanha, Jörgensen na Dinamarca, Nation Collection of Yeast Cultures
(Inglaterra), entre outros). Antes de serem guardadas em institutos,
cervejarias que tinham problemas com suas culturas de levedo por vezes recebiam
amostras de culturas de cervejarias vizinhas, em forma de favor, o que fez com
que algumas cervejarias se tornassem famosas por fornecerem levedo, e por
conservarem seu levedo em sua forma original por décadas, até mesmo séculos.
Ainda hoje há cervejarias que utilizam “descendentes” de suas primeiras células
de levedo, nunca tendo adicionado ou alterado de qualquer forma a sua cultura
ao longo de séculos.
Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein
Wir hopfen alles Gute!
Wilhelm Stein
Referências:
- David Quain – Brewing Yeast and Fermentation (Oxford, 2001)
- J. Stewart Harrison – The Yeasts (Londres, 1993)
- White, Chris e Jamil Zainasheff – The practical guide to yeast fermentation (Boulder, 2010)
- Garrett Oliver – The Oxford Companion to Beer
- Melissa Cole – Let me tell you about Beer
- Ronaldo Morado – Larousse da Cerveja
ok. Jetzt habe ich ne grosse Durst!!!!
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